Para o melhor e para o pior, aquilo que hoje sou devo-o também, e muito, aos Amigos que fui ganhando ao longo da vida — alguns dos quais conheci antes de conhecer, através do que escreviam, do que cantavam ou do que faziam, fosse na cultura, na política ou na vida.
O Armando Baptista-Bastos é um deles. Conhecemo-nos era eu um jovem repórter no princípio dos 20s e ele já um jornalista renomado de 40 e tantos, mas na verdade eu conhecia-o desde muito antes, pelos jornais e pelos livros. Era, como continua a ser, um repórter do rigor e da paixão — e só quem acha que a vida se mede em percentagens e artigos-de-código pode pensar que são virtudes incompatíveis. Excessivo, como só pode ser quem se dispõe a beber a vida de fio a pavio, encarando-a e fazendo-lhe frente. Leal, como devem ser os homens todos, e muito mais os Amigos.
Não exagero se disser que muito do que sei sobre a profissão o aprendi lendo "As Palavras dos Outros", que me ensinou a pôr em prática a teoria que vim mais tarde a encontrar no "Manual de Jornalismo" de Cardet (o primeiro publicado em Portugal após o 25 de Abril, um livrinho simples mas onde está tudo o que é essencial para o exercício do mister). "As Palavras..." do Bastos, que ele tem vindo a acrescentar nas diversas reedições, é mais do que um manual. É um curso intensivo de jornalismo e literatura como não existe em nenhuma universidade e, se não é, deveria ser leitura obrigatória e determinante para qualquer estudante do ofício.
Pouco nos cruzámos nas redacções, foi muito mais o que vivemos fora delas. Nas noites de Lisboa ou nos intermináveis fins de tarde no Largo da Misericórdia discutimos e partilhámos histórias e planos, certezas e incertezas. Por vezes acho que até nos zangámos, mas nada que um copo ou dois não conseguisse curar rapidamente. O Largo era a última das tertúlias semi-diurnas, lugar onde se preparavam as incursões guerrilheiras na noite.
Também por ali passavam, por junto ou à vez, entre vários outros, o António José Forte e a Aldina, o Herberto e o Manuel da Fonseca, o González e o Pignatelli, o Júlio Pinto e o Adriano Carvalho, o Pepe Vultos e o Guerra Carneiro, a Teresa Roby e a Lia Gama, a Fernanda Lapa e a Paula Guedes, os irmãos Salomé, todos ou quase, o Cabeça-de- Vaca e o Beringela, o Vítor Silva Tavares e o Fernando Ribeiro de Mello, o Luiz Pacheco e o António Assunção e mais quem calhasse.
Vez por outra até o Mário Alberto ou o César Monteiro por ali apareciam, este a barafustar contra as inovações da restauração, "até parece que estamos em Inglaterra", o Mário mais para ver como paravam as modas. E as miúdas, que também as havia.
Eram tempos de lutas, de gente, de causas e de coisas. Vivemo-los, e não estamos por isso arrependidos. As desilusões — profissionais, políticas, humanas, e foram muitas nestes quase 40 anos — não foram capazes de levar-nos a desistir.
Ao Largo já vamos menos. Uns porque já morreram, outros porque mudaram de vida, outros porque estão cansados, outros porque sim. Os lugares – diz o Armando e eu concordo – são as pessoas que existem neles. O nosso lugar é, por isso, qualquer um onde, a espaços, continuemos a encontrar-nos. Hoje como ontem, como sempre.
O Bastos, o meu velho Amigo Armando Baptista-Bastos, faz hoje anos. 83, diz ele, e será verdade, do ponto de vista da lei dos homens e da lei da vida. No resto, desenganem-se, que está bem mais jovem do que a maioria.
Facebook - 27.Fev.2106