A adesão do médico especialista em galinhas-com-pão-no-bico ao partido dos passos-de-coelho gerou alguma confusão e um compreensível sentimento de frustração e desencanto entre os ex-apoiantes do médico que queria ser califa no lugar do califa de Belém. O episódio vale tão pouco como o seu protagonista, mas é elucidativo do “espírito de missão” do dr. Nobre e, sobretudo, do pouco respeito que ele nutre pelos que se mobilizaram em seu redor.
Digamos que é apenas uma meia surpresa, já que o percurso político deste solidário profissional fala por si. Um tipo que já apoiou, sucessiva ou concomitantemente, Durão Barroso e Mário Soares, o Bloco de Esquerda e a Causa Monárquica, António Costa e António Capucho, das duas, uma: ou é um caso exemplar de desdobramento de personalidade ou tem a coluna vertebral duma amiba.
Quanto ao carácter da criatura, estamos portanto conversados. Eu, que tento sempre encontrar o bright side das mais negras realidades, não duvido de que este episódio foi muito útil, uma vez que deu a conhecer o lado mais verdadeiro e muito pouco nobre deste Nobre aos incautos que se deixaram seduzir pela demagogia do seu discurso supostamente independente e anti-sistema. E teve ainda a vantagem de trazer momentaneamente para a ribalta o ex-director de campanha do homem, Artur Pereira de seu nome, um intriguista profissional arraçado de Béria e Rasputine que se notabilizou há uma dúzia de anos como intermediário nas relações entre o PCP e os barões da construção civil da Amadora.
Afirma Pereira, citado pelo Público, que a opção pelo PSD ficou a dever-se ao facto de os social-democratas oferecerem a Nobre a possibilidade de um cargo, o de presidente da Assembleia da República. Esclarecedor. Pereira acha, e pelos vistos Nobre também, que o lugar em causa “permite outro género de intervenção e de cidadania” que “a simples entrada numa lista eleitoral não permite”. Pereira não explica como é que um cargo que é essencialmente regimental permite “outro género de intervenção”, mas isso é irrelevante.
O que os jornais não dizem é que Pereira foi um dos agentes e o principal operacional da espúria aliança informal entre o PCP e o PSD, na Amadora, por ocasião da campanha eleitoral autárquica de 1997. O acordo – nunca assumido publicamente, está claro – tinha por objectivo colocar o PS em terceiro lugar no município. Mas, para espanto de todos, incluindo os vencedores, o tiro saiu-lhes pela culatra: o PS, com Joaquim Raposo à garupa, ganhou as eleições ao PC, que acabou, dois mandatos depois, por se tornar na terceira força política do município.
Como diria o bondoso engenheiro Guterres, é a vida. Mas lembram-se por acaso os leitores de quem era então o candidato do PSD à Câmara da Amadora? Pedro Passos Coelho, nem menos, que acabou por se retirar da ribalta durante alguns anos, após o fracasso desta aventura suburbana. Agora, Coelho e Pereira voltaram a encontrar-se. Pelos vistos, a estranha aliança de 97 foi mesmo o princípio duma bela amizade…
Para Consumo da Causa | 13.Abril.2011 //