A sorte de ser português

A sorte de ser português

«No dia em que este sonho acabar, só terei que agradecer a Deus, agradecer à vida e às pessoas, porque já me deram muito mais do que eu esperava. Eu que nem sequer sonhava cantar num Coliseu, já cantei cinco vezes no Coliseu. Já cantei no Pavilhão Atlântico, no Olympia, na Austrália, se Deus quiser vou cantar em Alvalade. Portanto só tenho que agradecer.»

Aos 43 anos, Tony Carreira é um homem realizado. O menino que «sonhava ser cantor de cantigas de amor» tornou-se num dos artistas mais populares do seu país e, hoje, arrasta verdadeiras legiões de fãs atrás de si. Há quem lhe chame um fenómeno. Ele não sabe se o é, mas afirma que vai continuar a cantar as canções que o tornaram popular. Enquanto o público quiser.

Autores – O Tony nasceu numa aldeia de Pampilhosa da Serra e aos 10 anos foi para Paris. Quando é que surgiu o desejo de ser cantor?

Tony Carreira – Isso foi quando eu tinha uns 11, 12 anos. É sempre bom quando a gente descobre muito cedo aquilo que quer fazer, e comigo aconteceu mais ou menos nessa idade.

A – Qual era a música que ouvia quando era miúdo?

TC – Olhe, o que eu ouvia mais, e ainda hoje gosto muito, era o Santana, deve ser a pessoa de quem eu tinha mais discos. E – isto parece conversa de velho – gostava mais dele na fase mais antiga, mas continua a ser um grande músico...

A – Quais são as suas referências musicais mais importantes?

TC – Eu gosto de tanta coisa, na música! Desde o Brian Adams ao Júlio Iglesias, do Roberto Carlos aos AC/DC – pode parecer estranho, mas gosto muito deles. E gosto da Céline Dion, da Laura Fabien, até já gosto de música clássica, veja lá! E em Portugal, estou a admirar bastante os Da Weasel, por exemplo, são uma banda muito interessante. Gosto dos Xutos, do Beto, da Rita Guerra, da Marisa – que está com uma carreira fantástica – gosto do Rui Veloso...

A – Quando você decidiu ser cantor, como é que reagiram os seus pais?

TC – Achavam que era um bocado uma loucura. Mas isso é natural. O meu pai toda a vida trabalhou, começou oito, nove anos, era o normal na época. E é natural que um pai, que se sacrificou toda a vida por um filho, fique relativamente assustado...

A – Você também ficou, quando o seu filho lhe disse que queria seguir o seu exemplo e ser cantor?

TC – Fiquei assustado, também, embora de uma maneira diferente do meu pai. No meu caso foi por conhecer esta profissão e por ter a certeza de que são poucos os “eleitos”, e ainda por cima pelo “peso” do nome que ele iria ter. Isso assustou-me. Hoje, ele ainda está em início de carreira, e sinto que pode ter uma carreira fabulosa ou pode nunca lá chegar, o futuro depende dele. Mas que tem talento e “veia” para isto, na minha opinião tem.

A – Voltando à sua história: quando é que o António Antunes deu lugar ao Tony Carreira?

TC – Isso foi um ano depois de ter iniciado a minha carreira a solo, em 88. Apresentei-me no Prémio Nacional de Música, e aí publiquei o primeiro single, com o nome de António Carreira.

A – Carreira porquê?

TC – Foi um nome decidido na altura, cinco minutos antes de entrar na editora para fechar o contrato desse disco. Estava na esplanada de um café com o meu produtor Patrick Oliver, e é aí que procuramos um nome que pudesse soar também internacionalmente. Ele sugeriu o Carreira, e eu concordei.

A – Houve alguma razão especial para escolher esse nome?

TC – Não, podia ser outro qualquer, mas foi o que achámos que devia ser. Mais tarde comecei a trabalhar com o Ricardo, que conheci em 1991, quando vim pela primeira vez gravar em Portugal. E no disco do Olympia, em 2000, recomecei a parceria com o Patrick, em conjunto com o Ricardo. Essa equipa está formada desde então.

A – Você não foi um caso de êxito imediato...

TC – Não, a minha carreira teve duas partes distintas: uma primeira em que era quase por favor que ia à televisão de vez em quando ou dava uma entrevista para um jornal. Não queriam saber que eu existia. Mas faz parte da lei da vida, e então eu ia conquistando os meus espaços através dos concertos. Andei assim até 99. E é quando gravo o primeiro disco ao vivo, no Olympia, que passo a uma fase mais mediática.

A – Acha que o facto de ter sido emigrante durante muitos anos criou algum preconceito contra si?

 TC – Acho que não. Simplesmente creio que não me enquadrava no «molde» que eles pretendiam na altura. Para irmos à televisão, eles têm de achar que nós resultamos em termos de audiências, e com as revistas é a mesma coisa. Penso que não tem a ver com o facto de ter sido emigrante. Em qualquer parte do mundo, eu considero-me sempre português, tenho muito orgulho em ser português, acho que é um privilégio. Somos só dez milhões, não é qualquer um...

A – A sua música não se enquadra nos padrões habituais, nem nos mais «intelectuais», digamos, nem nos mais «pimbas». E no entanto você é dos poucos que consegue encher o Pavilhão Atlântico por duas vezes. Qual é o segredo da sua música?

TC – Olhe, se me perguntar se eu hoje cantava algumas canções que gravei há quinze anos, digo-lhe logo que não. Mas se calhar vou chegar à mesma conclusão daqui por outros quinze anos em relação às que vou gravar. As pessoas mudam. Eu não gostava de vinho tinto nem de bacalhau e agora já gosto. Mas não nego aquela que eu possa achar que é a minha pior canção. Porque, se a fiz na altura, gravei-a com o coração. E sempre estive nesta profissão com paixão. É por isso que para o ano me vou atirar a um projecto que é uma coisa de loucos, vou fazer o Estádio de Alvalade. Estou assustado, mas também entusiasmadíssimo com esse projecto.

A – Alvalade será a celebração dos 20 anos de carreira...

TC – É. E é corresponder a um desejo do público. Andei três meses a pensar se faria ou não faria... E decidi fazer porque as pessoas, durante esta última tournée, só me diziam: «Então, e para os 20 anos, é um estádio?» E eu quase sinto que, se não for para um estádio, vai ser uma desilusão. E então, força, vamos.

A – Você tem também uma relação muito especial com as suas fãs: conhece muitas delas, trata-as pelo nome. Isso acontece porquê?

TC – Tento aprender com as pessoas que acho que valem a pena. E tenho aprendido muito com o meu público. Ter uma relação próxima com as pessoas é uma questão de respeito: as pessoas vão ver-me, depois ficam ali à minha espera, no final, e eu acho que lhes devo esse respeito.

A – Sei que chega a dar centenas de autógrafos por noite, depois de um espectáculo. Deve ser cansativo.

TC – Isso do cansaço... Basta-me, um dia de manhã, abrir a janela e ver que há milhares de pessoas que trabalham mais do que eu e que sofrem muito mais do que eu. Portanto, nunca quero pensar que estou cansado porque há profissões bem mais difíceis, que fazem com que as pessoas cheguem estoiradas aos 50 anos. E, além disso, esta foi a profissão que eu escolhi.

A – O facto de ser uma pessoa de origem humilde também contribui para essa proximidade?

TC – Ah, sim. Aliás, nunca me viu numa festa do “jet-set”. Não critico quem lá vai, só que eu não me sinto bem. Não gosto de fazer fretes, e isso para mim seria um frete. Mas não sei se é só pelas origens... Nós vemos pessoas que têm origens humildes e, de repente, ficam bem sucedidas na vida e tornam-se naqueles «novos-ricos», que por vezes são os piores. E ao mesmo tempo há pessoas que são ricas desde há gerações, de boas famílias, e que são pessoas fantásticas.

A – Já ouvi quem o comparasse ao Júlio Iglesias. Sente que há algum paralelismo?

TC – Olhe, para lhe ser sincero, eu já conheci algumas pessoas com grandes carreiras internacionais e para mim, o Júlio Iglesias é um dos melhores. É um profissional fabuloso, um trabalhador incansável, tem um grande respeito pelo público. De toda a gente que conheci nesse patamar, o Iglesias e o Luís Figo são aquelas que mais orgulho tenho de ter conhecido. É uma referência, e eu nem sequer era um grande fã da música dele, mas passei a ser fã da pessoa. O contrário também já aconteceu: pessoas que admirava imenso e que fiquei a admirar muito menos...

A carreira de Tony

Chama-se António Antunes, mas todos o conhecem por Tony Carreira. Nasceu em Armador, Pampilhosa da Serra, faz em 30 de Dezembro 44 anos, e aos dez foi para Paris, com os pais emigrantes. Após concluir a escolaridade obrigatória foi trabalhar numa fábrica, ao mesmo tempo que alimentava o desejo de ter uma carreira musical.

O grupo Irmãos 5, que fundou com os irmãos e os primos, animou algumas festividades junto da comunidade portuguesa, mas teve de esperar até 1988 para conseguir a primeira oportunidade, que surgiu com o apuramento de uma canção para o Prémio Nacional de Música, realizado na Figueira da Foz.

Em 1991, assinou um contrato com a Discossete, para onde gravou os dois primeiros discos de grande formato, sem grande sucesso. Passa então para a editora Espacial, onde ainda se mantém, e onde registou os melhores momentos da sua carreira. Percorreu o país, cantando em festas e romarias um pouco por toda a parte, e também as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, onde começou a ser um nome reconhecido. Mesmo assim, só depois de se ter apresentado no Olympia de Paris, em 2000, começou a ter a atenção dos grandes meios de comunicação em Portugal.

Com 16 discos gravados, depois de ter enchido o Pavilhão Atlântico por duas vezes (em 2003 e 2006), Tony quer assinalar as duas décadas de vida musical com um grande espectáculo no Estádio de Alvalade, no que será um acontecimento inédito envolvendo um músico português como primeira figura.

Revista Autores - Jul./Set. 2007