Em tempo de Natal, as leis e os tribunais ficam um pouco como os pombos: aceitam aquilo que lhes dão e procuram não ser muito severos com a aplicação da justiça. Além disso, como toda a gente sabe, é preciso ser-se complacente de vez em quando e o Natal serve às mil maravilhas para demonstrar que afinal somos todos boa gente, carregadinha de sentimentos. Pois.
Benjamim tem pouco mais de 20 anos, cabelo à Bo Derek, é estudante de Biologia. Nasceu em Cabo Verde e vive no Alto de Santo Amaro, onde joga basquetebol nos tempos livres. Esta é a primeira vez que vem a tribunal, coisas que acontecem: durante um jogo do fim-de-semana esteve prestes a ser desclassificado com as cinco faltas da ordem. O árbitro tem as suas opiniões, Benjamim não concorda, gera-se uma cena mais ou menos violenta e pouco desportiva.
– Estava debaixo de uma grande tensão... – explica Benjamim.
Pois é. O juiz franze o sobrolho, que um bom desportista tem de saber controlar-se, está a ver o que você arranjou.
Palavra para aqui, justificação para ali, «um homem às vezes descontrola-se», até que o árbitro sovado entra em campo, isto é, na sala de audiências, e conta como foi. Benjamim confirma as agressões, diz que não foi premeditado. O juiz pergunta ao agredido se quer perdoar ou se mantém a queixa, mas árbitros são árbitros e murros são murros. A queixa continua válida e «que se faça justiça».
O juiz encolhe os ombros, afinal de contas o ofendido está no seu pleno direito de prosseguir.
– O que não quer dizer que em boa ética desportiva não fosse de perdoar...
Segue-se a sentença: quarenta dias de prisão e seis de multa a 50 escudos ou, em alternativa, mais quatro dias de prisão, além de mil escudos ao árbitro. Mas como é delinquente primário fica com a pena suspensa por dois anos, desde que pague a milena ao ofendido no prazo de um mês.
«E não se meta noutra, veja lá...»
Publicado em O Diário | 26.Dez.1980