Rei Roberto leal a Cavaco

Rei Roberto leal a Cavaco

«Aderi ao PSD porque confio no dr. Cavaco Silva. Se vou fazer campanha? Não sei. Mas se eu for consultado, pela primeira vez poderei dizer que o nome do dr. Cavaco Silva é um nome recomendado.» Nasceu em Vale da Porca, concelho de Macedo de Cavaleiros, há 39 anos [27.11.1951], mas viveu no Brasil os últimos 28 e ali se tomou conhecido e rico. Regressou a Portugal, ao que diz, para ficar. E, «após um ano vivendo aqui, me confundindo com as pessoas», converteu-se a Cavaco.

Chama-se António Joaquim Fernandes, mas o público só o conhece como Roberto Leal, nome da personagem que inventou para si próprio e à qual se refere ora utilizando o plural majestático, ora através da terceira pessoa do singular, como se de uma personalidade diversa se tratasse.

Assim: «A história do Roberto Leal no Brasil nunca se limitou exclusivamente à música. Havia sempre outras coisas que determinavam o meu levantar cedo, como uma música que poderia mudar o pensamento, dizendo alguma coisa que ainda não tinha sido dita. Essa foi sempre a preocupação do Roberto Leal.»

As botas de verniz, os casacos de cabedal com lantejoulas, o cabelo louro sobre a testa, tudo está feito para dar dele a imagem do «verdadeiro artista». Hoje já não tanto como nos primeiros tempos, garante Roberto Leal. «No início a gente é um pouco extravagante», diz. E acrescenta, em tom de parábola, como se fosse um pregador iluminado: «É como uma árvore: enquanto não é podada, os ramos crescem um para cada lado. No início sim, havia uma grande preocupação com a imagem, agora menos. O que não pode mudar é a essência. E como um perfume. A embalagem é que se renova. No palco sinto-me mais leve com roupas claras. Talvez seja uma ligação que eu tenho (sou um homem muito religioso), e nessa altura, quanto menos colorido estiver mais me harmonizo.»

«Precisava que olhassem para mim»

Saiu de Portugal aos 12 anos, com os pais e os nove irmãos, a bordo de um navio rumo a uma vida melhor em São Paulo. Em Vale da Porca, o pai exercia o mister de barbeiro, que acumulava com os de dentista e endireita e, nas horas vagas, tocava bandolim. Talvez tenha sido isso que o levou a aprender música com o professor Manuel Marques, um guitarrista português radicado no Brasil. Foi ele que o levou a actuar, pela primeira vez, perante uma plateia de 50 pessoas, quando António Joaquim tinha 13 anos. Mais tarde, foi também o professor Marques que lhe sugeriu o nome artístico.

Era uma época em que «o Brasil só conhecia a nossa querida Amália Rodrigues e lembrava-se do Francisco José». Roberto Leal tenta a sua sorte junto de várias editoras, mas sem êxito. «Eu queria mostrar um lado de Portugal que eles não conheciam », afirma. Só o conseguiu após ter conhecido «um disc-jockey de São Paulo, Barros de Alencar, que foi determinante para que gravasse o primeiro disco».

Mas a fama ainda teve que esperar sete meses, até Roberto Leal conhecer Chacrinha, o célebre entertainer da Rede Globo, que o levou ao seu programa. «Era um homem especial, que detectava as coisas antes de elas acontecerem», diz. O encontro entre o cantor e o animador televisivo deu, aliás, origem a um episódio que Roberto Leal recorda quando vem a propósito: «Ele viu um português diferente, loiro, de cabelos pelos ombros. E ele me perguntou: ‘Escuta, cara, você é paneleiro?’ E eu disse que não. ‘Mas nunca vi um português assim’, disse ele.»

Hoje, Roberto Leal admite que teve «muitas dores de cabeça por toda aquela extravagância, inclusive em Portugal.» Mas foi tudo para uma boa causa: «Eu precisava que olhassem para mim, que era um português que tinha uma porção de coisas para fazer. Talvez eu quisesse ser representante da nossa gente.»

«Todo o mundo me achava bonito»

O sentido de «missão» é uma constante no discurso de Roberto Leal, onde é frequente o uso de metáforas. Fala das iniciativas em que participou, todas elas relacionadas com a «necessidade de manter viva a memória portuguesa no Brasil» e que vão desde a inauguração da estátua a Pedro Alvares Cabral, em São Paulo, a diversas acções no âmbito das Casas de Portugal no Brasil.

«Muitas pessoas, no Brasil, ainda pensam que eu era uma pessoa do governo português, um representante com carteira. ‘Berto está fazendo esse trabalho, está sendo pago para isso’. Muitas pessoas pensavam assim.»
Hoje confessa que, por vezes, agiu sem pensar, ofuscado pelos momentos de glória: «Quando eu tinha 23 anos, todo o mundo me achava bonito, era o menino dos olhos azuis, e toda a gente queria sair comigo», diz. «Foi então que conheci aquela que veio a ser a minha mulher e que me disse: ‘Olha, Roberto, existe outro mundo, outro caminho a seguir.’ E eu casei com ela. Exactamente aquela que discordou...»

A mulher, Márcia, é filha do director de um banco de S. Paulo e é a actual letrista de Roberto. Os dois têm três filhos, uma rapariga, de 13 anos, e dois rapazes, de 15 e de dois, e decidiram fixar-se em Portugal, porque «as crianças têm aqui uma liberdade que não tinham no Brasil, devido à violência que existe e que toda a gente conhece». Por outro lado, Roberto Leal queria conhecer melhor o Portugal de hoje, «para poder cantá-lo».
Com casa na região de Sintra, Roberto Leal vive agora «numa ponte aérea» entre os dois lados do Atlântico, cantando e recolhendo os louros dos 23 discos que já gravou (sem falar das cassetes-pirata, pois claro) e lhe valeram outros tantos «discos de ouro».

«Portugal talvez seja um dos lugares onde eu actuo menos», diz. «Mas este ano estamos fazendo um trabalho mais completo, mais cuidado, para apresentar tanto cá como em França, nos Estados Unidos, no Canadá, esses lugares que já são visitados pelo Roberto Leal há 15 anos».

Sá Carneiro, «aquele pai»

Praticando um cachet que não revela, mas que se sabe ser superior a mil contos por espectáculo, Roberto Leal admite que vive bem («ganho o suficiente para viver de uma forma gostosa»), mas garante que não faz apanágio do status. Por outro lado, considera que a vida o obrigou a ser mais ponderado nas suas decisões:
«Recebi esta semana a visita de grandes empresários portugueses residentes no Brasil que me perguntaram: ‘Roberto, o que é que você acha, politicamente,dePortugal? Qual era a pessoa que você gostaria de ver no govemo?’ Puxa, isto nunca me tinha sido perguntado! Então isso é uma coisa em que não posso ser leviano, há pessoas que confiam em mim.»

Por isso, diz, nunca até agora se ligou a nenhum partido: «Porque às vezes você olha para um líder e pensa: ‘Aquela pessoa tem todos os dados que eu gostaria de ver num representante do meu país’. Mas, de repente, às vezes não por culpa dele, as coisas não correm como se pensou. Então toma-se difícil apontar: ‘Vote neste’.»

No PSD, porém, Roberto Leal acha ter encontrado o dirigente certo: «Eu penso que nós temos dois representantes dignos, que merecem a confiança dos portugueses: o dr. Mário Soares e o dr. Cavaco Silva. E hoje estou assumindo uma posição porque me lembro de que, aqui uns anos atrás, estive com o dr. Sá Cameiro, quando ele visitou Trás-os-Montes e passou na minha terra. Conversámos algumas horas e eu fiquei fascinado. Vi nele um grande português, o estadista dos anos 90. Sabe? Aquela coisa, aquele pai, aquele ser humano capaz de poder representar os nossos sonhos. E parece-me que há uma imagem disso tudo no dr. Cavaco Silva.»

Para Roberto Leal, graças a Cavaco, «Portugal está no rol dos vencedores»: «Eu, como português, sempre ‘torci’ nesse sentido. O Brasil já tem Portugal como modelo económico, e isso é muito gratificante.» Quase fervoroso, como quando fala de Deus: «Todos nós, seres humanos, somos vencedores. No mundo de Deus não existem perdedores, todos nós temos o nosso momento. Para mim, a vida é como uma corrida: um dia o seu carro quebra, mas no outro ele vai estar em melhores condições e você ganha a corrida.»

O Jornal | 25.Abr.1991