A Pepsi e a Mercedes são duas das 23 empresas que custearam a mais recente viagem do Papa ao continente americano. Não tanto por fé em Deus, mas no Mercado, omnipresente como Ele.
A notícia surgiu timidamente, diluída nos relatos da mais recente visita papal ao México, com passagem pelos EUA, como se os redactores e os editores dos diversos órgãos de comunicação não levassem muito a sério o facto em si e decidissem reduzi-lo a um simples pormenor.
E, no entanto, este pormenor é que é verdadeiramente a notícia da visita de Karol Woytila ao México. Uma visita que (ficámos a sabê-lo pela Antena 1 e pelo Diário de Notícias, dos poucos que ousaram dar conta do sucedido) contou com "o patrocínio da Pepsi Cola, da Mercedes e de mais 23 empresas privadas". Assim mesmo.
Ficamos, portanto, a saber que, apesar dos apelos que repete em favor dos mais desfavorecidos, o Papa não se importa de ter como companheiros de viagem dois símbolos, por excelência, da sociedade de consumo responsável pela manutenção do statu quo económico e social vigente.
Ficamos, ainda, esclarecidos sobre o facto de, a partir de agora, o Papa deixar de ser apenas um mensageiro de Deus para ser também um ícone das virtudes milagrosas da Pepsi e do divino luxo da Mercedes.
O sucessor de São Pedro surpreendeu-nos com esta manifestação de involuntário sentido de humor, dando ao trocadilho da velha anedota (enquanto o Papa reza, a Mercedes Benz) a dimensão de uma realidade concreta. E ninguém se espante se, num golpe de fazer inveja ao seu principal rival, a Pepsi vier a criar latas da beberagem com a efígie de SS o Papa, deixando a Coca-Cola só para aqueles que ainda acreditam no Pai Natal.
Para muitos, católicos e não católicos, a notícia de uma viagem papal patrocinada por dois gigantes do mundo empresarial pode ser chocante. Mas a verdade é que a Igreja sempre teve dedo para o negócio (veja-se o mais incrível dos milagres de Fátima, que transformou a Cova da Iria num moderno hipermercado da fé) e foi sempre, com maior ou menor empenhamento, partidária da economia de mercado. Assim, descansem os crentes: os patrocínios do Papa estão devidamente abençoados.
Provavelmente, o Papa não está a fazer mais do que pôr em prática o pragmatismo que domina os gestos e as atitudes da maioria dos líderes mundiais. Ainda recentemente o ex-presidente da ex-União Soviética, Mikahil Gorbatchov, aceitou ser vedeta de um anúncio para uma cadeia internacional de pizzas, demonstrando ao mundo que um qualquer especialista em fast-food pode chegar a presidente.
O exemplo do Papa, a ser seguido, pode, aliás, ser de grande utilidade para a resolução dos gastos das viagens oficiais dos chefes de Estado. A partir daqui, Bill Clinton já não terá peias em ter como sponsor a McDonald's ou qualquer outro produtor de carne mastigada, e talvez assim não tenha que mandar bombardear o Iraque para distrair as atenções da opinião pública dos seus devaneios sexuais em local (im)próprio.
Fidel Castro, com o sentido patriótico que o caracteriza, poderá viajar com o patrocínio do rum Havana Club e dos charutos Cohiba, o rei Juan Carlos de Espanha a expensas dos caramelos Viúva Solaño, e até o nosso Presidente Jorge Sampaio poderá correr mundo à conta da Ferreirinha, das Porcelanas da Vista Alegre ou de um criador de leitões da Bairrada.
Por outro lado, por que não aproveitar o gesto de João Paulo II, claro sinal da abertura de Roma à sociedade civil, para rentabilizar os actos religiosos mais comuns? As paróquias passariam a negociar com os produtores de vinho e de pão o patrocínio da eucaristia - o que implicaria alguma boa vontade patriótica para que não nos calhassem os espanhóis da Panrico ou das Caves Pedro Domecq.
Para as confissões não seria dificil encontrar um apoio: a Telecel, a TMN ou a novíssima Optimus por certo que dariam ouvidos à iniciativa. Os casamentos, esses, poderiam contar com o suporte dos preservativos Harmony (o Viagra está fora de causa, por necessitar de receita médica) e aos baptizados ficavam bem a Chicco, a Fisher Prize ou a Toys'R'Us.
O único problema seria encontrar quem estivesse disposto a apostar no patrocínio dos funerais. Extinto o Programa do Além de Teresa Guilherme e afastada a hipótese de ter como sponsor um dos bancos de Jardim Gonçalves (eles gostam mais de dinheiro vivo) não restará senão tentar recorrer a um desses jovens gestores de elevado potencial que, todos os dias, nos prometem coisas do outro mundo...
Grande Amadora | 28.Jan.1999