Poucos saberão que, em meados da década de 80 do século passado, Paco de Lucia manifestou a alguns amigos o desejo de gravar um disco com Carlos Paredes. O mestre português da guitarra tinha publicado o Concerto em Frankfurt, e era uma das «jóias da coroa» da Polygram, tal como Paco – que já gravara, entre outras coisas maiores, Friday Night in San Francisco e Passion, Grace and Fire, ambos em conjunto com Al di Meola e John McLaughlin.
A ideia de Paco, admirador de Paredes, foi acolhida com entusiasmo pela editora, mas esbarrou na recusa definitiva do músico português: «Tocar com Paco de Lucia? Nem pensar. Ele esmagava-me, oh amigo!»
Podemos atribuir este receio à proverbial modéstia de Carlos Paredes, à forte personalidade artística de ambos, ou mesmo à manifesta dificuldade do criador de Verdes Anos em estabelecer parcerias criativas com outros músicos, mas a verdade é que o disco nunca aconteceu, e por isso nunca saberemos se os medos de Paredes tinham razão de ser ou se, à semelhança do que fez com Di Meola e McLaughlin, Paco de Lucia conseguiria estabelecer com o seu parceiro ibérico um diálogo perfeito de guitarras com diferentes sonoridades e memórias.
À margem deste episódio, porém, vislumbra-se o que julgo ser um dos traços distintivos do mestre do flamenco: uma vontade permanente de experimentar sons e partilhar sensações – o que conseguia sem retirar espaço aos outros, mas também sem nunca deixar de ser ele mesmo.
Foi um músico de talento transbordante. Mas foi mais do que isso. «Um bom homem, um grande instrumentista e um grande companheiro na partilha de palcos», disse, ontem, José Nuno Martins, que organizou e produziu o primeiro espectáculo de Paco de Lucia em Lisboa. Três razões que chegam para gostar dele. E ouvi-lo, agora e sempre.
Publicado no Diário de Notícias | 27.Fev.2014