Com o País no estado em que está e a Europa no ponto aonde chegou, não vejo como é que alguém de bom senso consegue manter o optimismo. No entanto é isso que o (des)governo da nação continua a exibir, perante a impavidez de parte significativa dos cidadãos, a raiva (ainda) mansa dos outros e a aquiescência dos multiespecialistas, econocomentaristas, políticofantasistas e outros patuscos que animam o nosso triste quotidiano.
Sem capacidade nem querença de acautelar o pão, Passos garante-nos o circo, ultimamente coisificado no anedotário relvas que, de tão extenuadamente repetido e tão singelamente risível, se tornou numa eficaz manobra de diversão para os problemas realmente importantes das nossas vidas.
O País vai a pique, por muito que o ministro principal garanta que vai cumprir “os objectivos” e honrar os “compromissos nacionais”. Mas nem todos vão ao fundo, e a cada dia que passa multiplicam-se as evidências de que a minoria do costume permanece desobrigada dos “sacrifícios” exigidos à maioria. E logo vêm os mestres-escola habituais explicar que não há nada imoral nesta imoralidade, uma vez que é “a Lei” que assim o determina.
A Lei. Era o fundamento do estado de direito, um pilar central do sistema democrático. Mas também isso já mudou, desde que os mais altos dignitários do País passaram a encarar com naturalidade o desrespeito sistemático do contrato social por parte das instituições a que compete zelar pelo seu cumprimento. Pois se até o suposto presidente do sítio prefere ignorar a Constituição que jurou cumprir e fazer cumprir a pôr em causa um orçamento de Estado que faz tábua rasa de elementares direitos consagrados na Lei a que, não por acaso, se chama Fundamental.
O discurso dos governantes refere um país diferente do nosso, e tirando alguns exaltados pontuais, poucos realmente se sentem incomodados com o faz-de-conta instituído. Se Passos Coelho e o seu gabinete são como a orquestra do Titanic que ilude o afundamento iminente, José (ex-Durão) Barroso é o pequeno comandante do navio que ainda não percebeu o iceberg que tem pela frente e de que Angela Merkl é apenas a parte imediatamente visível. Neste jogo de interesses, a chanceler alemã não passa de um marechal-de-campo da imensa teia de poderes económicos e financeiros que, discreta mas eficazmente, modelou a política monetária comum de modo a tornar esta “crise” inevitável.
De modo que, neste Verão, ir a banhos só se for de semicúpios, pois até um licenciado instantâneo consegue adivinhar difíceis os tempos que nos esperam. Para dar a volta a isto, não chegam os discursos politicamente polidos ou polidamente políticos. Os que conduziram Portugal e a Europa e o resto a este lindo estado não estão dispostos a mudar apenas porque os cidadãos dos seus países gostariam que o fizessem. Só sairão à força e, muito provavelmente, pela força.
Dir-me-ão que esta não é uma atitude democrática. Pois não. Mas facto é que nunca os europeus foram chamados a pronunciar-se sobre as mais importantes transformações operadas no espaço da União. O desenvolvimento da Europa, sobretudo após a queda do Muro de Berlim, foi feito em regra por métodos antidemocráticos e pouco transparentes. Pelos burocratas de Bruxelas em estreita cumplicidade com os governos nacionais de serviço. E o resultado está à vista.
José Afonso, que faria hoje 83 anos, diria que «o que faz falta é animar a malta, agitar a malta, libertar a malta, dar poder à malta». Chamaram-lhe cigano, utópico e coisas ainda piores. Pois. Mas que faz falta, faz. E se calhar é mesmo a única maneira.
Jornal do Fundão | 2.Agosto.2012