Não há melhor meio de desvalorizar uma mensagem do que descredibilizar o mensageiro. E é isso, em primeiro lugar, que sobressai do triste folhetim natalício desenvolvido a partir do alegado currículo inventado do não menos alegado professor Artur Baptista da Silva, de cujas opiniões muita gente se fez eco – incluindo este-que-se-assina, em crónica publicada na edição anterior do Jornal do Fundão.
No que nos toca, foi apenas uma citação num parágrafo a meio da prosa, reflexo de toda uma cadeia pública de equívocos que ainda se ignoravam no dia em que a crónica foi escrita. Mas, ainda assim, a justificar uma explicação aos leitores, e sobretudo uma reflexão sobre a natureza deste episódio.
A serem verdade as notícias mais recentes sobre este cidadão (os leitores desculpem, mas perante tamanha embrulhada já só me atrevo a frasejar no condicional), estaremos perante uma história que vai muito para lá da «burla» de que falam os jornais e as televisões. Confirmado que seja o currículo, ou falta dele, da personagem que nos entrou internet adentro nas últimas semanas, seremos no mínimo levados a crer que se trata de um caso delirante de mitomania, pois que nenhum burlão consciente se expõe como ABS o fez perante auditórios atentos e motivados, câmaras indiscretas, jornalistas especializados – o mundo inteiro, enfim.
Pode, naturalmente, pensar-se que há outras explicações e que toda esta história não aconteceu apenas por uma súbita vontade de protagonismo mediático e social de ABS. Bom, então esse seria um golpe de mestre: alguém que é promovido publicamente pelo modo como expõe o real estado do País, para logo em seguida ser desmascarado e, deste modo, as verdades que veiculou passarem a ser olhadas à luz da desconfiança que qualquer trapaceiro motiva. Maquiavélico? Sem dúvida. Mas perante uma realidade incongruente é legítimo admitir o absurdo como uma possibilidade concreta.
Repare-se: o homem apareceu do quase nada, porém sustentado por um rol de credibilidades, a começar pelo Grémio Literário (que não é propriamente um exemplo de albergue espanhol, muito pelo contrário), passando por alegadas organizações avulsas como um Movimento Internacional Lusófono, sustentado em aplausos de muitos homens e mulheres credíveis, jornais, rádios e televisões. Fosse eu um repórter no activo (sobretudo se directamente afectado pela aldrabice) e não descansaria enquanto não encontrasse resposta para algumas questões: de onde veio este ABS, qual é a sua história? Quem o introduziu no Grémio Literário e nas outras instituições que lhe deram cobertura? Como é envolvido neste caso um dos mais prestigiados jornalistas portugueses da área da Economia? E, sobretudo, para quê?
Como não sou dado a teorias da conspiração, fico-me pelas perguntas. Mas é inegável que o discurso de ABS fazia (e faz) mais sentido do que o de muitos «especialistas» encartados que são presença assídua nos telejornais e nos fóruns políticos. Ora, se tantos peritos instantâneos têm crédito junto da opinião pública, porque não haveria de tê-lo este ABS?
É claro que nada disto justifica os erros básicos cometidos por velhos e dignos profissionais da Informação, nem a ligeireza da actuação de instituições de seriedade sedimentada, mas pode ser razão suficiente para que nos interroguemos sobre a razão e a oportunidade deste episódio. Que, na verdade, não é mais do que isso mesmo, um episódio, sem nada acrescentar nem diminuir a tudo aquilo que o envolve.
E é por esta razão que nem sequer me sinto particularmente culpado por ter dado algum crédito às intervenções públicas de ABS. Desgraçadamente para nós, ele pode ser mentira, mas aquilo de que falou é tão verdadeiro como estarmos aqui.
Publicado em Jornal do Fundão | 10.Jan.2013