Quando se abalançou ao jornalismo, o jovem Viriato (tinha então 15 anos) escolheu bem: o Suplemento Juvenil do República, um diário que se impunha em Portugal graças a uma linha editorial avessa aos compromissos com o poder. Estava-se em 1973, a revolução dos cravos não fazia sequer parte do imaginário português, e essa era a altura em que o lápis azul da censura atacava forte, sem cerimónias, a produção dos homens dos jornais.
O aspirante a jornalista não conhecia, ainda, as agruras que o esperavam, os escolhos que teria de ultrapassar, muito embora, diga-se, tivesse já uma noção do país em que nascera e que tentava obrigar as pessoas a viverem «orgulhosamente sós». Tudo porque, como ele recorda, o «seu velho» (o pai) tinha «tendências reviralhistas», era «um homem que sempre andou metido em tarantantans do contra, chegou mesmo a ir dentro, era companheiro indefectível do Mário Sacramento em Aveiro». Aliás, Aveiro ficaria também intimamente ligada à vida do futuro jornalista.
Tudo aconteceu depois da estreia adolescente no jornalismo juvenil do República. O bichinho começou a dar sinais fortes dentro dele, a liberdade conquistada por Abril era sedutora e Viriato decidiu assumir a vocação: primeiro, andou pela imprensa regional (entre 74 e 79), produzindo, como ele próprio hoje afirma, «os mais diversos disparates, adequados ao tempo que vivíamos na altura». Disparates ou não, a verdade é que em termos de subsistência não davam para viver, e o nosso jovem decidiu então inscrever-se num curso de Contabilidade e Administração, exactamente em Aveiro. Era a possibilidade, talvez, de uma vida mais segura, onde não haveria lugar para a imaginação, tão-pouco liberdade para uma certa marginalidade que se adivinhava já no jornalista em embrião. À cautela, entretanto, manteve duas aventuras semi-profissionais que, sucessivamente, ia concretizando em dois periódicos: o Companha, em Aveiro, e o então afamado Jornal de Setúbal, onde Luiz Pacheco, considerado escritor maldito, dava corpo ao seu talento por via de uns quantos vintes...
Passava-se tudo isto nos finais da década de 70, Viriato não escondia o seu comprometimento ideológico e, às tantas, decidiu arriscar, dar o salto para o jornalismo «a sério»: aconteceu em O Diário, de filiação comunista, onde o jovem se iria manter entre 79 e 81. Mas aquela não era realmente a sua via. Mesmo dando de barato os tempos tumultuosos do pós-25 de Abril, dos exageros cometidos e, por vezes, mal avaliados. Por essa altura, surgia no mercado um título – o Se7e – seguramente destinado a receber as pisadas de Viriato Teles, esse mesmo de quem temos estado a falar.
Projecto de um grupo de jornalistas integrando alguns dos fundadores do semanário O Jornal, dedicado fundamentalmente a tudo quanto dissesse respeito ao espectáculo, do cinema à música, passando pelo teatro, televisão, bailado, desporto, etc, aí encontraria o jovem o seu real caminho. Como? Muito simplesmente: Viriato Teles desde sempre revelara uma tendência grande para a música. Porquê? Simplificando, ele cita Mário Viegas, esse mesmo, que vocês vão encontrar umas quantas páginas adiante: «Olha, calhou...» Só que a verdade era outra, realmente.
Desde muito jovem que ViriatoTeles, nascido em 1958, se sentia atraído pelas cantigas, sobretudo por aquelas que se ouviam menos na rádio, pois o regime vigente gostava pouco de ser «acusado», por exemplo, de que comeria tudo... Aconteceu assim a sua colaboração no MC-Mundo da Canção que, para quem não sabe ou para quem já não se lembra, era uma revista que publicava tudo quanto respeitava a baladeiro, com tal «exagero» que chegou mesmo a ter uma edição apreendida, sinal dos tempos apertados de então.
Com Abril de 74, este espaço explodiu, Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire e todos os outros explodiram também, que é como quem diz, puderam concretizar as suas «sessões cantigueiras» como Viriato lhes chama. E ele, que chegou a fazer parte de uma espécie de «comité local» do GAC, que mais não era do que «um grupo de rapaziada que se juntava para cantarolar umas coisas» mais ou menos em privado; ele que já n'O Diário escrevera umas quantas coisas desta área, «continuando a privar de perto com esse povo», quando chegou ao Se7e a sua «especialização» aconteceu naturalmente. E o caminho deste Bocas de Cena, também, pois nele está reunido, entre outro, algum do material produzido durante esses cerca de sete anos.
A palavra para o jornalista-escritor: «Já não sei quantos músicos, cantores e actores entrevistei ao longo dos 20 anos que levo cumpridos no jornalismo. Mas foram, com certeza, umas centenas, entre 'maiores' e 'secundários'. A maioria das entrevistas que fiz foram de facto na chamada área da cultura (música, teatro, cinema, televisão, alguma literatura) que, como muito bem explicou Alberto Pimenta, é o desporto da classe média.»
Das centenas de entrevistas realizadas, Viriato Teles seleccionou as dez que vai ler a seguir. Estiveram para ser doze, não por qualquer analogia com Cristo e os seus 12 apóstolos e a sua Última Ceia. Muitas foram, aliás, as últimas ceias de Viriato Teles - n'O Diário, por exemplo, no Se7e, n'O Jornal, na Visão, no Bisnau, n'O Inimigo, no Grande Amadora, locais onde marcou, pontualmente reiteradamente, encontro com os seus leitores, como aliás aconteceu na sua passagem pela televisão com Crimes, em 93-94, O Homem e a Cidade, entre 94 e 97, e documentários avulsos sobre Cuba, Finlândia e Áustria. E também na televisão, onde está actualmente ancorado, depois de várias experiências mais ou menos pontuais como autor, guionista, repórter e realizador de documentários.
São dez as entrevistas, estas dez e não quaisquer outras, porque o autor ao seleccioná-las quis dar-lhes um fio de coerência interventiva: aquela que, assumidamente, os entrevistados sempre souberam viver. Aquela que o autor, ele próprio, apesar do tom de marginalidade que gosta que transpareça da sua maneira de estar na vida, pretende legar ao filho Pedro, um puto de 8 anos a quem um dia, não tarda nada, o «velho» Viriato começará a contar os múltiplos pontilhados da sua vida.
Uma última nota, já agora, para a dedicatória do autor. Fernando Assis Pacheco e Afonso Praça representarão para ele aquilo que de mais bonito o jornalismo tem sabido manter quase intacto ao longo dos tempos: a camaradagem sadia de quem sabe ser, antes de mais, companheiro.