A minha primeira impressão deste livro é a pesquisa exaustiva que o autor fez dos entrevistados. Quando a gente termina aquela leitura já estamos prontos para dar um mergulho na entrevista e já o fazemos com água na boca. Quase como quando um requintado cozinheiro envia para a mesa uma travessa apetitosíssima, suculenta, que a gente fica doido para devorar. Isso, para além do talento deste autor, que tem muito a ver com a honestidade profissional, do apuro e do contentamento de quem a escreve.
Recordo-me que há uns anos um jornalista gordo, talvez com pouco mais de 30 anos, pediu-me uma entrevista. Chegou a minha casa, sentou-se no sofá, colocou um caderno num joelho e disse-me: «Olhe, eu quero avisá-lo que vivi alguns tempos no estrangeiro e sei muito pouco de si». Eu levantei-me e disse-lhe: «Então faça o favor de sair e quando aprender volte cá». E nunca mais voltou.
«Bocas de Cena» é um livro excelente com uma dezena de entrevistados inatingíveis, e a pergunta é: Como é que ele conseguiu? A entrevista com a Amália é – que eu tenha lido – das mais conseguidas. A Amália era muito mais um ser falante do que um ser conversante e o Viriato, não sei com que artes mágicas, conseguiu desatarrachar-lhe a timidez de tal forma que deve ter tido uma grande mão de obra para a calar. Nunca visto.
Notável também a entrevista com o Léo Ferré, com a sua marginalidade à tona e que me fez lembrar a frase do Millôr Fernandes: «Não sou um homem livre, mas poucos estiveram tão perto.» Na linha da Juliette Greco.
O Chico Buarque, brilhante como sempre foi. O Marcel Marceau que lhe deu apenas dez minutos de conversa, mas para o tempo oferecido sacou-lhe uma entrevista riquíssima. E com o Yupanqui, um homem puro, fascinante.
Estas são as que mais me tocaram.
Estranhamente, a entrevista com o Mário Viegas não levantou fervura e era dele de quem eu mais esperava, porque o considero um dos actores mais brilhantes e uma das personalidades mais fascinantes que por aqui andaram. Ficará para outra vez, Viriato.
Apresentação de Bocas de Cena | Casino Estoril | 13.Maio.2003