A importância de um país avalia-se pela sua capacidade de tirar partido e proveito dos seus valores, nomeadamente os culturais. Só uma visão racista da humanidade permitiria admitir que houvesse povos mais ou menos inteligentes ou talentosos do que outros, pois antes se verifica que, em todo o lado, podem surgir figuras excepcionalmente dotadas para esta ou para aquela actividade, verdadeiros génios, do mesmo modo que a inépcia atávica e a vulgaridade também se encontram universalmente disseminadas.
O que por outro lado se constata, isso sim, é que existem estruturas sócio-político-económicas, a que se dá habitualmente o nome de países, que não conseguem entender nem distinguir – e menos ainda defender ou promover – os valores que os respectivos povos vão gerando.
Dá-se-lhes muitas vezes o nome de países atrasados, e talvez o sejam, ainda que também se adaptasse bem a expressão “sociedades muito estúpidas” para definir esse lamentável fenómeno de impotência colectiva.
Não sei se a moléstia é recuperável, pois a história da sociedade portuguesa já conta com largos e penosos séculos, praticamente desde que o país existe, de sujeição à patológica incapacidade de discernir quem é que vale e quem é que não interessa, de estabelecer a diferença entre a prosápia de um simples habilidoso e a obra de um grande artista.
Para facilitar, procura-se nivelar sempre pelo mais baixo e proclama-se que o público português só gosta verdadeiramente do que é novo, se for reles e arruaceiro, ou do que é antigo, se for decrépito e esclerosado.
Trata-se obviamente de uma mentira cavilosa, pois o povo português, na sua qualidade de espectador e apreciador, também não é melhor nem pior do que os outros.
A estrutura-mãe – a que Salazar tão comovidamente chamava a Nação – é que efectivamente não presta. Nunca prestou.
E assim faz-se entre nós boa música, há notáveis intérpretes, brilhantes autores, mas as rádios e as organizações empresariais, estatais ou privadas – que são todos filhos da estrutura-mãe: a Nação... – ignoram essas realidades, abafam-nas com mil ardis silenciadores, recorrem à calúnia e à agressão, se necessário, para que nada venha alterar a regra básica da mediocridade: é a tradição.
Logo, a única autêntica maneira de um português se realizar é considerar-se de alguma forma estrangeiro, é distanciar-se da Nação, é agarrar-se com todas as suas forças a conceitos superiores de universalidade.
Carlos do Carmo é uma voz do mundo – e por isso salvou-se.
Carlos do Carmo é um artista do mundo – e por isso salvou-se.
Carlos do Carmo é um cidadão do mundo – e por isso salvou-se.
E, com ele, salvou-se também uma parte importante da música portuguesa – o fado – que passou a ser do mundo!
*Maestro. Jurado do Prémio José Afonso
O livro inclui depoimentos de todos os jurados desta edição do Prémio José Afonso: António Victorino d'Almeida, Carlos Pinto Coelho, Fernando Magalhães, João Bernardino, Joaquim Raposo, Júlio Murraças, Olga Prats, Pedro Pyrrait e VT