O Benfica está em crise e o país real acompanha, ansioso, as angústias, as dúvidas e o sofrimento das águias da Luz. Vão longe os dias em que «ser benfiquista era ter na alma a chama imensa», como cantava o incomparável Luís Piçarra. Mas isso era no tempo em que quem não era do Benfica, não era bom chefe de família. Agora, com a instituição familiar em notório declínio, como poderia o Benfica navegar noutras águas que não as do desencanto?
E não se pense que a crise do Benfica afecta apenas os benfiquistas. Veja-se o exemplo do presidente Jorge Sampaio, sportinguista confesso, que ainda há poucos dias veio a público manifestar a sua solidariedade activa com o clube da Luz. «O país precisa de um Benfica forte», garantiu o Presidente da República.
Pois precisa. Aliás, toda a gente sabe que se o Benfica não tiver força, um dia destes o país corre o risco de ser invadido pelos catalães do Barcelona, os castelhanos do Real Madrid ou mesmo os galegos do Deportivo da Coruña.
A angústia em torno do futuro próximo do clube das águias ficou, aliás, expressa de forma exemplar nas duas últimas edições d'«A Bola». Na segunda-feira, o popular diário desportivo publicou a opinião dos directores dos principais orgãos de comunicação a propósito dos desatinos do Glorioso. Ontem, terça-feira, «A Bola» retomou o tema, desta vez ouvindo nove personalidades da nossa vida pública. Uma prova, afinal, de que todos não somos de mais para opinar sobre o Benfica.
Na edição de ontem, houve um depoimento que me chamou particularmente a atenção - e só não compreendo como é que os telejornais da SIC e da RTP não pegaram no assunto que, noutros tempos, teria sido certamente motivo para notícia de abertura. Não me refiro às opiniões de Vitorino de Almeida, Júlio Machado Vaz ou Fernando Rosas, benfiquistas mais ou menos públicos e notórios. Nem tão pouco falo da ironia lúcida de Sérgio Godinho ou da consternação expressa de Barros Moura. Não. O que mais me fascinou foi a prosa curta de um advogado bigodudo, conhecido noutros tempos por ter ambicionado ser o «grande educador da classe operária». Esse mesmo, Arnaldo Matos, ex-grande líder e bem amado dirigente, que num momento de fraqueza o povo se encarregou de libertar.
Remetido ao silêncio durante quase 20 anos, Arnaldo regressou agora para reconduzir as massas à linha justa. Não veio falar da Europa, do desemprego ou de qualquer outra maleita da sociedade portuguesa. Não senhor. Desta vez, falou apenas da crise benfiquista que, diz ele, «não é mais que um dos aspectos graves por que passa o futebol português no seu todo». Uma prova de que, duas décadas depois de ter desistido de conduzir a classe operária ao paraíso, Arnaldo Matos continua tão ferozmente perspicaz como nos tempos do PREC. E afinal, tal como o 1º de Maio de outras eras, o Benfica também é vermelho.
TSF | 15.Out.1997