A história te condenará, Bolsonaro, e nós também

A história te condenará, Bolsonaro, e nós também

O que há de comum entre Jair Bolsonaro e um rato de esgoto é quase tudo: ambos fedem, ambos inspiram medo, ambos espalham a peste. A única diferença é que o rato faz tudo isto sem saber nem querer fazê-lo. Faz o que faz porque é essa a natureza dos ratos, porque nem Deus foi perfeito ao criar o mundo. O outro, não: faz tudo isto por convicção e prazer, mesquinhez, inveja, desumanidade, pura maldade intrínseca.

Um rato é um rato porque não consegue ser mais do que um rato. Bolsonaro é uma ratazana porque é isso mesmo que quer ser. Um rato não se sente feliz por ser rato. É, e pronto. Já um patife adora sê-lo. É uma escolha, não uma condição. E, como é próprio dos patifes, só se sente feliz a chafurdar na lama do ódio. É ela que o alimenta e o sustenta. O ódio que gera o medo que patrocina o ódio.

Um rato pode até ser competente na sua baixa condição de rato. O canalha é incompetente e invejoso de tudo e de todos, porque tudo e todos são melhores do que ele. Cresceu à custa da baixeza moral, do desprezo pelos demais, do golpe sujo, da manipulação torpe, da farsa grotesca, da mentira mais reles. Como é próprio dos canalhas, adora destruir tudo o que ele é incapaz de ser.

Um rato não tem culpa de ser rato, nasceu assim, e só lhe resta ser e viver assim, porque não pode ser nem viver de outro modo. O bocório também já nasceu assim, mas faz questão de ostentar a toleima e promover o impudor porque o seu olhar vesgo e remelgado acha nisso uma aptidão.

Não tenhamos medo de chamar os ratos pelos nomes, nem de dar o nome aos actos. Bolsonaro, mais que uma excrescência, é um excrementício, desqualificado e inqualificável, incapaz de qualquer gesto simplesmente humano. Um nojo, uma putrefacção, uma doença pior do que o vírus que nos tolhe.

Se julgam que exagero, pensem nos crimes: o genocídio em marcha sobre os povos da Amazónia e sobre a Amazónia ela mesma; a perseguição aos diferentes, às minorias, aos não-normalizados; o branqueamento e a apologia da ditadura militar; o desrespeito pelas mulheres; o desprezo pelos pobres. Pensem nisto. E pensem nos mortos. Os que já o são e os que estão para vir. Os do vírus que o tracambista diz ser apenas “uma gripezinha” que só mata os velhos e os doentes – porque velhos e doentes são gente inferior e sem direitos. Para quê?, se só atrapalham a economia.

Pensem nestes mortos e nos outros, todos os que o biltre desprezou e cujo fim apressou: Aldir Blanc, poeta maior de tantas canções, morto à míngua de hospital; Flávio Migliaccio, actor de teatro, de novelas, e de sonhos, pendurado numa corda por mor e dor da infâmia (“Desculpem-me, mas não deu mais. A velhice neste país é o caos como tudo aqui. A humanidade não deu certo”, deixou escrito, à despedida); e os demais, brasileiros anónimos e porventura honrados que dia após dia se vão sem que o coração de pedra do tunante sinta qualquer vexame.

E outros ainda: os mortos e os torturados da ditadura, que o fedorento só lamenta não terem sido mais (“o erro da ditadura foi torturar e não matar”, disse ele; “sempre houve tortura, não quero arrastar um cemitério, para quê olhar para trás?”, repetiu há dias, entre sorrisos, uma das ratazanas amestradas do velhaco), os desaparecidos, os exilados, os humilhados, as mães e filhas violentadas. Para a corja, nada disso importa, o único problema é não ter chegado para eliminar de vez os que não desistem de lhes fazer frente.

Não há ditaduras brandas, mas há umas mais ferozes do que outras. E a que ensombrou o Brasil após 64 e que o asno glorifica é das que, naqueles anos de chumbo da América Latina, mais crimes cometeu, em número e em espécie. As malfeitorias tinham nomes, um diferente para cada tipo de sevícias: a “cadeira do dragão” (revestida a zinco e electrificada, onde os presos eram obrigados a sentar-se, nus e por vezes com um balde de metal na cabeça, e que era depois ligada à corrente), a “cama cirúrgica” (muito parecida com o “balcão” usado pela Inquisição na Idade Média, para esticar o prisioneiro até se lhe romperem os músculos e os nervos e/ou onde lhe eram arrancadas as unhas), a “geladeira” (uma cela minúscula onde os presos eram colocados, sem roupa, às vezes dias a fio, com a temperatura a alternar entre o muito frio e o calor insuportável), o “arrastamento pela viatura” (exactamente como o nome indica: a vítima era amarrada a um automóvel e arrastada pelo asfalto; o resto, vocês imaginam), a “coroa-de-Cristo” ou “capacete” (um anel metálico com um mecanismo do tipo garrote que apertava até esmagar o crânio da vítima), o “pau-de-arara” (recuperado dos tempos da escravatura, em que o preso era amarrado nos pés e nas mãos e de seguida pendurado numa barra de metal, suportado pelos punhos e pelos joelhos, e sujeito a choques eléctricos, agressões e queimaduras). E mais ainda: espancamentos, choques eléctricos nas partes mais sensíveis do corpo, afogamentos. Requintes de malvadez sem outro préstimo senão o de demonstrar que há gente (gente?) para quem a crueldade não tem mesmo quaisquer limites.

É tudo isto que o indecente agora desvaloriza, acusando as vítimas e enaltecendo os algozes. Bolsonaro é culpado dos seus mortos e do desprezo pelos mortos dos que o antecederam na ignomínia. Mas não está só. O badalhoco sem-vergonha, que se ufana de que preferia ter um filho morto a sabê-lo homossexual, um soez deste calibre tem com ele um bando de ratazanas de todo o tipo, ratos do campo e da cidade, camundongos, ratinhos e ratões. Até ratos de porão que, vendo o barco afundar sem remissão, se apressam a abandoná-lo pela fresta mais a jeito. Não porque sejam melhores, apenas por não serem tão estúpidos.

A história (espero, e ai de nós se morre a esperança) se encarregará de julgar e condenar a sujeira sem tamanho em que Bolsonaro e os seus prosélitos transformaram o Brasil. E fará o mesmo com outros cafajestes, como o trumpolineiro da outra América, igual na demência e (talvez) só diferente na consequência porque, a Norte, ainda há (por enquanto) instituições que funcionam e, querendo, podem refrear-lhe os desatinos. Mais dia, menos dia, o mundo há-de superar a peste. A ver vamos se sobrevive aos ratos.