Crime e castigo

Crime e castigo

A notícia da detenção, em Londres, do antigo ditador chileno Augusto Pinochet tornou-se no principal acontecimento deste fim-de-semana – e por pouco não conseguiu secundarizar o discurso de duas horas e meia de Fidel Castro no comício de solidariedade com Cuba, em Matosinhos.

Pessoalmente, não acredito que a detenção britânica do velho ditador chileno resulte em algo mais do que uma óbvia operação mediática. O mais certo é o octogenário senador vitalício do Chile ser um destes dias autorizado a sair em liberdade e, com um pouco de azar, ainda o veremos no “speackers corner” de Hyde Park, vociferando contra os estranhos desígnios da independência do poder judicial face ao poder político.

O certo, para já, é que Pinochet está impedido de sair de Londres, graças a um mandato de captura emitido pelo juiz espanhol Baltazar Garzón e executado pela “very polited” Scotland Yard.

Trata-se de uma decisão histórica. Não só porque, finalmente, um ditador sanguinário sucumbe às malhas da justiça, ainda que longe – muito longe – do seu país; mas, sobretudo, porque, pela primeira vez, aquilo a que Marx chamaria a “justiça burguesa” parece conseguir, num quadro de legalidade normativa, o respeito pelos mais elementares direitos humanos.

Porque Augusto Pinochet não foi apenas um ditador cruel para com os cidadãos do seu próprio país. Durante o seu reinado de terror à frente da república do Chile, Pinochet foi o responsável pelos crimes mais inconcebíveis, pelos quais, aliás, não mostrou nunca o mínimo sinal de arrependimento. Pelo contrário, para Pinochet, tudo não passou de “episódios passageiros”, coisas “que já lá vão” e sobre as quais não vale voltar a falar.

Felizmente, ainda há quem, como o juiz Baltazar Garzón, insista em não esquecer. Felizmente, ainda há quem pense que crimes como aqueles que Augusto Pinochet cometeu não são simples “equívocos” da história.
É possível que a detenção de Pinochet não passe de um episódio quichotesco e que, dentro de um ou dois dias, tudo volte à calma tranquila de sempre. Mesmo assim, terá valido a pena.

Quanto mais não seja, para que possamos dizer aos nossos filhos que ainda há gente para quem o futuro não é a simples repetição dos episódios a que, no passado, estamos fartos de assistir. Quanto mais não seja, afinal, pela humilhação pura e simples a que o sanguinário ditador está a ser sujeito.

Nunca imaginei que a humilhação pública de um ser humano me pudesse causar tanta alegria. Eu disse: um ser humano. Mas é claro que me enganei. Afinal, estamos apenas a falar de Pinochet.

RCS | 19.Out.1998