Há um ano, uma centena de auto-intitulados «patriotas anti-espanhóis» manifestaram-se, no dia 1 de Dezembro, contra o iberismo, Miguel de Vasconcelos e a Volta a Espanha em Bicileta. «Antes morto que espanhol», apregoavam então os manifestantes, entre os quais se encontravam alguns africanos, presume-se que de língua oficial portuguesa.
Um ano passado sobre a solene manif patriótica e anti-castelhana, os portugueses não conseguiram mais do que promover uma greve aos serviços da Internet. Mais: uma greve que teve como alvo o serviço prestado pela Portugal Telecom, que os internautas lusitanos desejam mais barato e mais acessível aos cidadãos comuns.
É, naturalmente, estranho que, 358 anos após a derrocada dos Filipes (que governaram Portugal durante seis décadas), o nosso país não consiga outra forma de comemorar o 1º de Dezembro que não seja através de uma greve informática.
Na verdade, é quase como se disséssemos: se a Telecom é portuguesa, eu quero ser da Telefónica espanhola. O que, como se compreenderá, não é propriamente o mais patriótico dos gritos.
Significa isto, então, que os patriotas já não são o que eram? Quererá isto dizer que os portugueses já não ligam peva às instituições que, como a Portugal Telecom, tanto se preocupam com o nosso bem estar colectivo?
Ou, pelo contrário, será tudo isto revelador de um tal avanço social e político – agora que, como ensinou Sousa Franco, somos todos utilizadores de telemóveis – que nos leva a esquecer as fronteiras ancestrais?
Não me admirava nada se a cimeira ibérica de Guterres e Aznar tivesse sido o elemento aglutinador desta imensa paz que subitamente se gerou entre portugueses e espanhóis.
Com um pouco de sorte, um dia destes temos o Pinochet a ser julgado em Madrid e nós, do lado de cá, a promover excursões só para lhe dizer na cara tudo aquilo que desde há 25 anos temos vontade de lhe chamar.
Às tantas, isto tudo é apenas um espírito natalício que, um tanto avant la lettre, vai tomando conta do nosso quotidiano. E, se assim for, ainda veremos Guterres vestido de Pai Natal e Aznar disfarçado de rei mago, distribuindo presentes às criancinhas pobres. Em nome da Europa e do diálogo, naturalmente.
RCS | 2.Dez.1998