E assim como sei que toda a minha vida foi uma luta para que ninguém
tivesse mais que lutar, assim é o canto que te quero cantar: Pedro, meu filho
Vinícius de Moraes
Os olhos
E então abriste os olhos para o mundo
e outro mundo eu vi nos olhos que me abriste
grandes meigos espantados. E tão claros
que de te ver ceguei por um instante
ou um milénio! Que importa o tempo
quero lá saber das horas que me importa
ser eu quando sou tu e olho a vida
pelos teus olhos pasmados e secretos.
Os braços
Dá-me o teu braço
e um abraço
do tamanho da alegria.
O riso
Primeiro um sorriso
trémula chama
só depois a descoberta.
E um coração que se aperta
um amor
imenso
em cada gesto.
A boca
Com a boca irás dizer aquilo
que souberes tudo aquilo que quiseres
pela boca hás-de provar outros prazeres.
E mesmo que a vida te os reserve amargos
seja sempre a tua boca verdadeira
nas palavras nos desejos nas paixões
teu silêncio valha mais que o burburinho
e saibas sempre dizer não. Com a boca
cheia de outras sensações hás-de saber
os segredos a linguagem dos sentidos
comovidos indignados consentidos.
A voz
Nossas bocas hão-de rir e ser assim
tão sinceras mesmo quando mentirosas
luminosas mesmo em dias de cansaço.
Seja então o que sisermos:
o saber e a perdição
um desejo uma luta ou mais um beijo
desabafo grito erro desengano
assim seja tudo quanto está para ser
nessa fala mais pergunta que resposta
teu sorriso seja a tua própria voz.
O rumo
Digo-te apenas: segue o teu rumo
faz o que tens a fazer não esperes
de mim outros conselhos para lá da vida.
O mundo
Quando um dia eu for embora do teu mundo
deixo-te o nome e alguns versos. Poucos
que a musa é escassa e o verbo lasso
mas mesmo assim. Deixo-te um beijo
uma saudade e um carinho
e de caminho a memória dos teus dias.
Dou-te um abraço digo-te adeus
deixo um retrato um gesto breve
e espero que fique algo mais. Talvez
me apague como um fósforo no vento
no dia em que eu me for deste meu mundo.
Ílhavo-Lisboa, 1994