Vou pelos poemas andarilhos de Viriato na Constância de dois rios, em cujas ruas – Rua do Tejo, Escadinhas do Tem-te Bem – estendo microfone e sede aos velhos barqueiros.
Sentado na esplanada do Trinca Fortes, por alturas do British Poem, não vislumbro o Camões de bronze, sentado mais perto da boca do rio. Mas sei que ele não foge. Sei da constância das velhas cumplicidades, que ganham lastro maior se amarmos os lugares. Foi, aliás, Constância o único povoado fora de portas em que, algum dia, me cruzei com Viriato, ambos pendurados em ferramental mediático. A nossa velha cumplicidade é da mais funda Lisboa, da Lisboa nocturna, da margem e da dúvida e da interminável sede e dos sabidos modos de a matar.
Em Constância deixo registado o que tenho a dizer.
Viriato Teles escreve como vive, "como se todos os minutos fossem derradeiros". Olhando o que a minha geração espalhou pelas redacções de jornais e de rádios, Viriato é dos poucos que não vendeu a alma. O Fernando Assis Pacheco havia de gostar de ter lido esta escrita límpida de Viriato, esta emoção à flor das cidades nas quais Viriato nunca será turista.
Viriato escreve como se estivesse de partida para mais um combate que vai perder. Como se interminavelmente esperasse a amada num bar da Havana velha sabendo que a amada não vai empurrar os batentes. Viriato sabe que a revolução é um lírio da Mesopotâmia. Na interminável espera, Viriato escreve, talvez em toalhas de papel. Mas não desespera.
Estes textos de Viriato são, também - quando se entra por Outras Paisagens -, trabalho de repórter que não chegou a cónego do livro de estilo e ouviu cantar oa pássaros da Amazónia.
Não sei se as noites de Constância são mais claras que as de Manágua, mesmo agora que o cometa ilumina por cima da igreja matriz. Mas sei o quanto a noite é um fogo aceso na escrita de Viriato.
E eu confio mais nos olhos de Viriato do que nos de Peter Arnett. Escrevo e assino, a dois passos do Camões de bronze, na margem de todas as dúvidas.
Prefácio de Margem para Dúvidas | Estante Editora, 1998