Quando a honestidade exerce o primado sobre o sentimentalismo, os resultados são extremamente importantes porque nos desafiam a reflectir. Essa honestidade está presente neste belíssimo «A Utopia segundo Che Guevara», em cujas páginas Viriato Teles nos concita a ver o grande guerrilheiro à luz da sua imperfeita humanidade.
Os desencontrados depoimentos, a minuciosa curiosidade, o cuidadoso equilíbrio entre razão e coração – atribuem a este livro a designação de «revelado», até no sentido que à expressão conferem as Escrituras. Não faz mal nenhum, nem a ninguém, associar a utopia ao sagrado. Sobretudo quando em causa está um homem cuja trajectória racional e histórica ficou cunhada por uma espécie particular de mística.
Ao mesmo tempo que nos conduz para outro nível de compreensão do fenómeno político, social, cultural e moral que molda e constrói Che Guevara, Viriato Teles rejeita, com veemência, as características e, até, as expectativas messiânicas que muita gente atribuiu e esperou do lendário comandante. O autor não se dedica às formalidades e aos exercícios de elogio comuns ao cânone das revoluções. São as perdas, os recomeços e as quimeras que tornam suportável a sociedade em que vivemos. E quis saber em que consistem os critérios de causalidade lógica, de possibilidades empíricas, produtores, neste caso, de personagens como Ernesto Che Guevara.
Neste volume há textos cuja singularidade implica a eventualidade de se repetir casos semelhantes ou comparáveis. O Gólgota do Che foi, simultaneamente, o seu Olimpo. Como, aliás, por exemplo, em Xanana Gusmão. Em ambos os casos não há vencedores nem derrotados. Há, sim, uma história longa de solidariedade e de convicções. A exigência de verdade do argentino é idêntica à de Xanana – tomando a analogia com todas as precauções devidas.
Guevara detestava que lhe chamassem herói. Tomava como sua a frase de Brecht: «Triste o país que precisa de heróis». E perfilhava a declaração de Fidel Castro: «A Cordilheira dos Andes será a Sierra Maestra da América Latina». E aí está a utopia: recusa da vulgaridade. E aí está a coragem: compromisso com a convicção.
De uma forma ou de outra, todos aqueles que acreditam no advento de sociedades justas, trazem consigo, no mais caloroso canto do coração, a imagem e o exemplo de Che Guevara. Este livro também disso fala: do princípio de realidade colectiva que pode explicar os nossos embalos e acicatar os nossos sonhos. Viriato Teles diz-nos que a grandeza do Che consistiu no facto de ele não querer ser outra coisa - senão um homem. Um homem que encheu o século e os tempos ao proclamar que tudo é possível, desde que os homens o queiram.