Viriato Teles nasceu em Ílhavo, vive em Lisboa e tem sido jornalista.
Tinha 16 anos em 25 de Abril de 1974 e gostava de repetir. Andou na Universidade e por outros caminhos ínvios, onde estudou literaturas e outras curiosidades. Não acredita em milagres nem na bolsa de valores. Lutou por causas perdidas e não se arrependeu.
Trabalhou em mais lugares do que desejava, esteve em Kiruna e em países que já não existem, escreveu uns livros, e fez outros disparates.
Escreve em português decente e em desacordo com o Acordo. Quando for grande quer ser artista de variedades.
Tirando isso, tem uma vida normal.
A necessidade de uma «senha» transmitida via rádio, sinal para a saída das tropas que haviam de derrubar a ditadura, levou a que desde o início José Afonso ficasse involuntariamente associado ao primeiro alerta da revolução. O comandante operacional do movimento insurgente defendia a utilização de Traz outro amigo também, por toda a carga simbólica do tema. Mas a opção acabou por recair sobre Venham mais cinco, poética e ritmicamente mais adequada a um movimento que se propunha transformar radicalmente o País.
Grândola, vila morena surgiu como segunda escolha, em parte devido ao impacto conseguido no espectáculo da Casa da Imprensa, a 29 de Março, mas sobretudo porque, embora tolerada pela censura oficial do regime, Venham mais cinco estava proibida pela censura interna da emissora católica – de onde, ironicamente, foi dado o sinal para a conquista da liberdade.
O jornalista Carlos Albino e o técnico de som Manuel Tomás foram os «autores materiais» do acto conspirativo a que Zeca, apesar de protagonista, foi naturalmente alheio. O jornalista do República e futuro embaixador Álvaro Guerra constituiu-se como elo de ligação entre o programa Limite e o MFA, e nessa condição contactou Albino e contou-lhe da operação em curso, pedindo-lhe a transmissão da senha. Com Venham mais cinco colocada na «lista negra» da Rádio Renascença, Grândola foi a escolha natural.
Os detalhes finais foram acertados na tarde de 24 de Abril, num encontro entre Carlos Albino e Manuel Tomás fora da emissora, na igreja de S. João de Brito, onde decidiram gravar um bloco de música e texto, como faziam normalmente, onde incluiriam a canção escolhida. O programa era transmitido em directo e dispunha de um coronel da censura destacado exclusivamente para acompanhar as emissões.
Manuel Tomás preparou então um bloco de 11 minutos, que seria lido por Leite Vasconcelos (que desconhecia o que se passava) com o seguinte alinhamento: leitura da primeira quadra de Grândola, canção, repetição da primeira quadra, dois poemas de Carlos Albino, e a fechar o Coro da Primavera. O registo magnético ficou pronto ao fim da tarde de dia 24, e passou no crivo do censor de turno.
Vinte minutos depois da meia-noite, o sinal fez-se ouvir em todos os quartéis. Para ser exacto: aos vinte minutos mais 19 segundos, decorrentes do facto de Paulo Coelho, o locutor que conduzia a emissão na total ignorância do que estava a acontecer, não ter posto o RM no ar exactamente à hora certa. Atento, Manuel Tomás deu-lhe disfarçadamente um toque, e «disparou» o som que mudou a História.
«Vivi o 25 de Abril numa espécie de deslumbramento. Fui para o Carmo, andei por aí. Estava de tal modo entusiasmado com o fenómeno político que nem me apercebi bem, ou não dei nenhuma importância a isso da ‘Grândola’.» O momento mágico da liberdade apanhou José Afonso em cheio. Mergulhou nele de corpo e alma, sem tempo sequer para pensar no quanto de tudo aquilo lhe era também devido. «Só mais tarde, com o 28 de Setembro, o 11 de Março, etc., quando recomeçaram os ataques fascistas e a ‘Grândola’ era cantada nos momentos de maior perigo ou entusiasmo, me apercebi bem de tudo o que ela significava – e, naturalmente, tive uma certa satisfação.» (ent. a José Carlos de Vasconcelos, Se7e, 22/4/1980)
Viviam-se então tempos urgentes. E a música desempenhou, aqui, um papel que não teve em mais nenhuma revolução, como o próprio Zeca reconhecerá: «Fomos talvez o país onde a música teve uma maior acção como elemento desestabilizador». Isto, que foi verdade antes de 1974, continuou a sê-lo depois: a canção popular e a acção política percorreram um longo caminho juntas, e José Afonso esteve na primeira linha, cantando e compondo e lutando.
«Faço música como quem faz um par de sapatos, isto é, tento alinhar sons e torná-los coerentes entre si, como quem faz um utensílio. E o mundo social da música não me seduz grandemente, como não me seduzem os palcos e todo esse tipo de estruturas sobre que assenta a canção. Seduzme, sim, aquilo que posso fazer em torno da música: os contactos que estabeleço, os amigos que arranjo, esta ‘irmandade’ progressista que se vai estabelecendo à medida que vamos correndo as terras, descobrindo que nessas terras vivem indivíduos que têm determinado tipo de preocupações.»
(...)
Maior Que o Pensamento
- Documentário de Joaquim Vieira
Uma História de Resistência | Uma História de Liberdade
- Textos de Viriato Teles
2 Livro+DVD ed. RTP | Levoir | Público 2015