Portugal, que como país de poetas já é o que se sabe, corre o risco de se tornar também num país de pensadores: Santana Lopes pensa no estrangeiro, Manuel Monteiro pensa devagar, José Magalhães pensa via internet, enquanto Vasco Graça Moura pensa que voltará e Carlos Carvalhas continua apenso.
Também há os que pensam que o melhor é não pensar em nada, os que gostam de estar em suspenso, os que pensam logo, os que pensam que pensam. E os bem pensantes, os que não dizem o que pensam, os penso-higiénico, a Pensão Duque, os pensionistas e idosos, a ponte pênsil.
Há, sempre houve, quem pense que em Portugal se pensa demais e quem, por menos, não pense. Pensando bem conclui-se que o pensamento lusitano, tal como o cavalo homónimo, já não é o que era. A filosofia perdeu a ponta ao confundir-se com a ideologia dominante quando desejava eliminá-la.
Os autores desta "Filosofia de Ponta", cientes do dilema em que se debate a sociedade civil, não hesitaram em atacar a ferida com pêlo do mesmo cão. Se a era é a do vazio, há que tomar de assalto o espaço e o tempo, desmontá-los sistematicamente, rever os circuitos da memória virtual e remontá-los de novo. Dos copos até à ponta - mesmo se nem sempre a realidade dos copos se mostra compatível com a natureza da ponta.
O resultado da autêntica pega de caras em que se meteram Júlio Pinto e Nuno Saraiva são estas histórias que, desde há quase dois anos, nos aliviam a dor congénita de ser português. Um espaço de respiração onde os fantasmas de Nietzsche e Freud se cruzam com a dura realidade do Guarda Abel, mas onde também Karl Heinrich Marx pode ainda vir a encontrar-se, um destes dias, com Jean Nicolas Arthur Rimbaud, numa gare de caminho de ferro em Londres, nem que seja só para um copo vadio.
Catálogo da exposição Filosofia de Ponta, de Júlio Pinto e Nuno Saraiva
Bedeteca de Lisboa, Abril-Maio de 1996