Se Mário Mata fosse um pássaro seria com certeza um melro ou um pardal ou mesmo uma gaivota. Nunca poderia ser um canário, pela simples razão que não seria capaz de sobreviver numa qualquer gaiola, por mais dourada e confortável que fosse.
O Mário é um homem livre, e dessa condição não prescinde, mesmo quando essa opção dói. E geralmente dói.
É disto tudo que nos fala neste disco: de si e dos outros, da vida e das coisas simples, de Lisboa e do mundo, de portugueses burocráticos e neuróticos, mas também dos que ainda não desistiram. São catorze canções em formatos diversos que vão desde o tom bem-humorado que tão bem lhe conhecemos até ao registo intimista que poderá surpreender apenas quem não tenha estado atento a tudo o que ele tem feito desde há trinta anos.
Nascido em Luanda no início dos anos 60, Mário Mata veio definitivamente para Portugal após a queda do império. Começou a cantar em bares do Algarve, ainda adolescente, e em 1981 saltou directamente do anonimato para a fama com «Não Há Nada Pra Ninguém». O êxito do disco de estreia veio a revelar-se algo perverso, uma vez que o músico acabou por ficar como que refém desse sucesso nos anos que se seguiram.
E é assim que, depois de mais dois discos num registo semelhante («Não Mata Mas Mói», 1982, e «Deix’ós Poisar», 1986), faz uma primeira pausa grande nas gravações, a que só regressa oito anos depois, em 1994, com o álbum «Somos Portugueses». Os resultados comerciais não terão sido os desejados, e segue-se um novo interregno, desta vez de dez anos.
Em 2004 publica «Dupla Face», onde procura trilhar novos caminhos. O disco não teve a atenção que merecia, mas serviu para provar a quem tivesse dúvidas que Mário Mata estava vivo e disposto a continuar. Porque a verdade é que, ao misturar a música de raiz popular com as tonalidades do pop/rock, o Mário conseguiu criar um estilo próprio e deixar a sua marca na música portuguesa do último quartel do século XX.
Agora, mais sete anos passados sobre o último registo discográfico, eis que Mário Mata nos apresenta um novo lote de canções, e mais uma vez arrisca-se a surpreender irremediavelmente quem o ouve. Fiel às características que melhor lhe conhecemos, o Mário não teme aventurar-se novamente pelo registo da ironia («Essa é Que é Essa», «Vamos Lá Suar é Fixe», «Ai Deus do Céu», «Já Fomos Enganados», «Amores Proibidos»), mas vai muito mais além. E é assim que nos envolve em textos que nos falam de coisas simultaneamente tão simples e tão complexas como o amor, as cidades, as pessoas comuns. A vida, afinal, tal como é.
Em «Sinais do Tempo», o tema que dá título ao álbum, escrito a meias com Joaquim Pessoa, faz como que um roteiro dos afectos, amarguras, ilusões e desilusões que marcam toda uma geração – a sua, a nossa – e que são também, o retrato do percurso recente do país que somos. E o mesmo se passa em «Navio Fantasma», a lembrar que quando tudo falha ainda pode sobejar a derradeira redenção do amor.
De resto, os afectos estão presentes em quase todos os temas deste disco. De «Já Conheço Esse Olhar» a «Fixação», passando por «Lisboa é Lisboa» e por «Serei Sempre Teu», Mário Mata não teme expor aquilo que sente. Porque sim. Porque ser autêntico é a sua maneira de estar vivo e de participar na agitação do mundo à sua volta.
A autenticidade é, aliás, talvez a mais relevante característica deste músico. E talvez seja isso, também, que muitos não lhe perdoam. Num tempo de mentira e futilidade, ser verdadeiro e não usar máscara é quase um pecado. Que o Mário comete com toda a convicção e sem dar mostras do mínimo arrependimento. E ainda bem. Para ele e para nós, que temos a felicidade de poder continuar a ouvi-lo.
Introdução ao CD Sinais do Tempo, de Mário Mata | 2012