Um metro de vida bem medido

Um metro de vida bem medido

Podia começar por dizer-vos o óbvio: que não estou aqui hoje por outros méritos para lá do da amizade, o que poderia tornar suspeita a minha leitura deste «Um Metro de Vida». Mas se a amizade é longa – e, sobretudo, cheia de cumplicidades criadas nos percursos todos que já partilhámos – se a amizade é longa, dizia, então por maioria de razões tenho a obrigação de ser autêntico.

O Nuno Gomes dos Santos escreve sobre pessoas vivas. Assim foi nos tempos do «Diário de Lisboa» e de «O Diário», do «Se7e» e do «Musicalíssimo», d’«A Capital» e d’«O Primeiro de Janeiro», jornais onde deixou marcas e uma parte importante da sua vida. Assim é nas canções que escreve e canta, e também nos livros que vem publicando desde há uma dúzia de anos.

Este «Um Metro de Vida» conta a história de nove pessoas acidentalmente encerradas no espaço claustrofóbico de uma carruagem de metropolitano. Nove pessoas que não se conheciam, e aparentemente sem nada de comum entre si, mas que, por uma avaria no último comboio da noite, são obrigadas a partilhar o longo momento da espera, dando a conhecer os lados secretos das suas emoções mais íntimas.

À medida que o tempo passa, as personagens vão-se-nos revelando na sua dimensão mais autêntica, que se calhar até eles desconheciam. Simultaneamente, assistimos ao desenrolar das peripécias de bastidores, às meias verdades mais ou menos camufladas, aos desencontros comunicacionais entre os responsáveis do metropolitano e os representantes dos órgãos de informação.

É, uma vez mais, a vida real que aqui surge retratada, com uma boa dose de ironia, a confirmar uma antiquíssima verdade: cada um é como é, muito mais do que como parece ser. É aqui que o Nuno se movimenta melhor, mas isso também não é motivo de espanto: ele foi sempre um homem atento ao mundo e aos vários aspectos da realidade, e «Um Metro de Vida» é disso mesmo a prova.

A formação jornalística de Nuno Gomes dos Santos reflecte-se, aliás, em toda a sua obra, e este livro não escapa a essa regra. Parafraseando o que ele escreveu num outro romance – «Um Homem à Tarde», um belo retrato de tempos idos, que também aconselho a quem não conhece – poderia dizer que o Nuno é do tempo em que se «incendiavam jornais com felicidades que haviam de vir e não vieram». Esse «tempo de abraços e de planos de pomares em terras antes secas» em que «virávamos do avesso os dias» é aquele que, hoje, alguns querem fazer-nos crer ter sido apenas um tempo de evolução. Mas nós sabemos que foi muito mais do que isso. E a verdade é que não nos arrependemos.

O que é que isto tem a ver com este «Um Metro de Vida»? Tem tudo. Porque, se não fosse esse Abril – Abril com R – nenhuma destas personagens poderia agir e falar e pensar como acontece neste livro. «Um metro de Vida» são, na verdade, vários quilómetros de vivências. E isso é o mais importante de tudo.

Apresentação do romance Um Metro de Vida, de Nuno Gomes dos Santos
Fórum Municipal Romeu Correia - Almada, 29 de Abril de 2004