«Viver é pouco. Conviver é humanamente mais natural e rico, com o que tem de partilha de afectos e vivências.»
É assim que o Júlio Murraças dá início à nota introdutória das Estórias Nazarenas que aqui nos reúnem neste fim de tarde e neste lugar, que também é um lugar de afectos, de vivências – e naturalmente de convívios. Olho em volta e vejo uma mão-cheia de amigos do Júlio, vários deles também meus, e, só por isso, já valia a pena existir este livrinho.
São quatro dezenas de narrativas curtas – 41, para ser exacto, mais a introdução – histórias de gente comum da Nazaré, mas podia ser de outro lugar qualquer com homens e mulheres e mar e lugares de encontro e de convívio.
E lá estamos nós naquilo que é, se calhar, o elemento central disto tudo: o livro, o Júlio e eu aqui com ar mais ou menos sério. As vidas de cada um, com as alegrias, as tristezas e as anedotas próprias de todas as vidas. E os convívios, lá está, que foi onde isto tudo começou.
O autor confessa, logo a abrir, que as histórias que reuniu neste livro de Estórias são «fruto de várias convivências e amizades, quer quanto ao conteúdo, quer quanto ao propósito de as registar e apresentar em livro», pois que foi nos «convívios com amigos» que ele foi tomando forma. E por isso, conclui o Autor, «este livro é sobretudo um acto de Amizade».
Ora parece-me a mim que isso é razão de sobra que ter vontade de espreitar para o que vem lá dentro. E há alguns momentos deliciosos, como a sucessão de diálogos de gente do povo num consultório médico ou a descrição de atribuladas aventuras protagonizadas por francesas e nazarenos e outros curiosos.
E há outras histórias e memórias, desde as alegrias de Abril às mágoas de guerras forçadas e esforçadas, que o Júlio também conheceu.
Convém dizer que a história da minha amizade com o Júlio é feita também, de modo decisivo, do convívio e da convivência que fomos alimentando ao longo de pr’aí 30 anos, ou quase – a partir, lá está, do encontro de ideias e prazeres e interesses desinteressados que nos juntou, primeiro em volta de uma iniciativa que marcou um tempo e um lugar e que se deve, de fio a pavio, à persistência do Júlio Murraças.
Estou a falar, como calculam os que sabem da história, do Prémio José Afonso, que foi, durante anos, um dos prémios de música mais importantes do nosso país, e que era atribuído no âmbito do Festival de Música Popular Portuguesa da Amadora, por onde passaram quase todos (senão mesmo todos) os nomes maiores da Música Portuguesa.
Entretanto, como é costume acontecer com muitas destas coisas, o Júlio foi afastado da organização do Prémio e do Festival e delicadamente levado à reforma antes do tempo. Pelo que, nos últimos anos, o Prémio parece ter passado à clandestinidade…
Mas isso são outras histórias, que muito provavelmente um dia destes vamos também ler, noutro livro que o Júlio Murraças, com ou sem a ajuda de D. Fuas Roupinho, é bem capaz de «cometer».
Dá-lhes com força, Juju, que eles merecem.
E pronto. Fico-me por aqui, que o restante é para ser lido, por quem quiser. É o que vai fazer o Mário Galego já a seguir, porque afinal isto é um convívio. E foi para isso e por causa disso que este livro se fez.
Apresentação de Estórias Nazarenas, de Júlio Murraças
Ler Devagar, Lisboa, 17.Dez.2014