A pacatez da vida política portuguesa foi abalada há poucos dias com um curioso debate parlamentar em torno dos escalões do IVA a aplicar às comidas de cães e gatos, bem como a certas espécies de moluscos como as ostras.
Na origem da interessante discussão esteve uma proposta, apresentada pela parlamentar socialista Rosa Albernaz e defendida pelo seu colega Hasse Ferreira, no sentido de descer de 17 para 12 por cento a taxa do IVA a aplicar aos "produtos alimentares para alguns animais da classe dos vertebrados", segundo explicou a deputada.
Para a bancada cor-de-rosa, tal medida irá beneficiar um grande número de cidadãos, de que se destacam (cito) "pessoas da terceira idade que necessitam de ter animais de companhia, organismos como a GNR, bem como algumas pessoas que não têm possibilidades económicas".
Pondo de parte a inovadora relação que a deputada estabelece entre os animais nossos amigos e a Guarda Republicana, a proposta socialista parece-me de grande oportunidade. Diria mesmo que, se peca por alguma coisa, é por defeito, já que ainda não foi desta que o parlamento de preocupou com os inúmeros cães sem abrigo, com os pombos que dormem ao relento nas praças de Lisboa ou com o lumpen-gatariado que inunda os nossos telhados, sobretudo na primavera.
A oposição queixa-se, entretanto, pelo facto de, também recentemente, o mesmo PS ter votado contra uma outra proposta (igualmente destinada a baixar a taxa de IVA, mas neste caso em produtos como a manteiga, o iogurte ou as águas minerais) e há mesmo quem lembre o martírio que foi para conseguir que as pensões de miséria atribuídas a quase cem mil portugueses se aproximassem do salário mínimo.
A reacção adversa dos parlamentares do PP e do PCP a tão caridosa proposta socialista é reveladora da insensibilidade dos comunistas e dos populares face ao dramático problema dos animais de companhia.
O PCP vai mesmo ao ponto de invocar os diabéticos, que também querem a redução do IVA para produtos como a insulina. Mas poderá alguma vez um diabético substituir um «cocker spaniel»?
A oposição diz que a proposta do PS é um insulto aos desempregados. Mas um trabalhador inactivo tem alguma utilidade como pastor alemão da GNR?
Por tudo isto, ainda bem que o nosso governo tem a apoiá-lo parlamentares tão sensíveis como Rosa Albernaz e Joel Hasse Ferreira. Aliás, só espero que, na sua versão final, o diploma não se limite às comidas para cães e gatos, e que venha a contemplar também o milho para os pombos, a alpista para os canários, a banana para os macacos e o pistacio para os papagaios.
Já a inclusão das ostras nesta proposta de lei, me parece digna de uma leitura diferente, conhecidas que são as propriedades afrodisíacas do molusco em causa. A não ser que o PS pretenda transformar os bivalves em parte activa da dieta dos «bobis» e dos «tarecos».
Por este andar, ainda havemos de ver um ministro da Agricultura a alimentar burros com pão-de-ló.
TSF | 19.Nov.1997