Espírito de Natal

Espírito de Natal

O Natal já não é o que era. Primeiro foi o 25 de Dezembro, usurpado pelos comunistas desde que, faz amanhã exactamente seis anos, o ex-presidente Mikahil Gorbátchov reconheceu oficialmente a extinção da União Soviética.

Depois apareceram as mega-lojas de brinquedos, que deixaram o Pai Natal à beira do desemprego. E agora até o ministro Ferro Rodrigues já se faz passar pelo venerando ancião pólo-nortista e desata a distribuir benesses sociais.

É certo que a tão esperada conversão da Rússia ultrapassou todas as expectativas. E é bem verdade que, ao contrário do que muitos pensavam, o fim da União acabou por revelar-se um bom negócio para o ex-presidente soviético, que, se perdeu um país, acabou por arranjar um rico emprego no ramo das pizzas.

De acordo com notícias recentes, Gorby deu início a uma nova carreira como animador de anúncios de uma conhecida marca de fast food e, por 180 mil contos, até se deixou fotografar distribuindo pedaços de pizza a uma multidão em delírio.

Ninguém dúvida de que oferecer pizzas ao povo é um acto politicamente correcto, tanto mais que a referida empresa é norte-americana, fabrica comida italiana e tem a mesma ementa para todos os países, independentemente de raça, credo e preferência sexual dos clientes.

Aliás, na mesma linha de actuação de Gorby esteve, há poucos meses, o português Otelo Saraiva de Carvalho, deixando-se fotografar, em pose, nas praias cubanas de Varadero, como se fora o próprio Mister Universo. Com um único senão, que é Otelo não ficar tão bem nas fotografias como o ex-presidente de todos os sovietes.

É tudo, portanto, uma questão de imagem. E tenho de reconhecer que, nesse aspecto, Gorbátchov, Otelo e Catarina Furtado têm um look mais apelativo que o da vaca e do burro que climatizaram o estábulo de Belém.

Mas, convenhamos, também não era preciso tanto. Já basta Lucky Luke ter deixado de fumar e a Barbie estar em pleno processo de transformação que ameaça fazer dela um misto de camponesa beirã e Sofia Aparício.

Propaganda por propaganda, mais vale fazer como o James Bond que, sem ameaça russa com que se entreter, optou no último filme pela carreira de vendedor ambulante: ele são telemóveis, ele é o relógio, ele é são os carros e a moto - tudo metódica e racionalmente pensado em função de diversas estratégias multi-publicitárias. Um dia destes, ainda o vamos ver a almoçar no McDonald's.

E o que é que tudo isto tem a ver com o Natal? Quase nada, é verdade, mas também é certo que, hoje em dia, até o Natal tem muito pouco a ver com o Natal. Vale-nos a certeza de que, indiferente a todas as mudanças, o Pai Natal continua vermelho. Pelo menos até ao dia em que decida romper com a Coca Cola e assinar um contrato com a Benetton.

TSF | 24.Dez.1997