O candidato da coligação PSD-PP à Câmara Municipal do Porto, general Carlos Azeredo, está a revelar-se uma autêntica caixa de surpresas. Num país tão carecido de ideias, ele corre o risco de se tornar o estratego-mor da extrema-direita mais boçal e troglodita, órfã de pai e mãe desde que o professor Salazar entregou as botas ao Criador.
Primeiro foi o célebre artigo sobre o «ouro nazi», onde este militante da ordem unida se desdobrava em considerações sobre o carácter naturalmente agiota dos judeus – o qual, está-se mesmo a ver, esteve na origem do Holocausto. Entre aspas, na versão branqueadora de Azeredo.
Ao que parece, o estado-maior do PSD não viu nisto nada de mais, o que se compreende: afinal, Hitler limitou-se a exterminar seis milhões de judeus, uma insignificância. Se a «solução final» tivesse sido concluída (ou seja, se em vez de apenas seis milhões, tivessem morrido todos) não haveria hoje ninguém para reclamar a verdade sobre o ouro roubado, o que seria um descanso para os anti-semitas em geral e para Carlos Azeredo em particular.
Na passada sexta-feira, o vetusto militar voltou a abrir a boca, desta vez nas páginas d'«O Independente». Falou do 25 de Abril que, na sua perspectiva, não passou de um tempo em «os militares andavam todos descompostos» e onde havia «uma indisciplina que era uma coisa incrível». E remata, com um arremedo autocrítico que não se lhe conhecia, referindo que a «intervenção dos militares na política é sempre funesta». Como se pode ver pela amostra junta, acrescento eu.
Depois, com a sagacidade que o caracteriza, Carlos Azeredo lá foi dizendo que «só as pessoas ignorantes» chamam fascista ao regime de Salazar e Caetano onde, garante, «nunca houve grandes mortes». Acrescenta o general que Mussolini, tal como Hitler, ganhou democraticamente as eleições e «instaurou um regime que ainda hoje tem muitos adeptos em Itália e que deixou alguma obra feita».
Convenhamos que, aqui, o antigo camaraman de Mário Soares tem alguma razão: se não fosse Mussolini, nunca um cineasta como Pasolini poderia alguma vez ter filmado «Saló ou Os 120 Dias de Sodoma». E a verdade é que nunca como no tempo do ditador os cemitérios italianos registaram tanto movimento.
Entusiasmado com o seu inusitado perfil de ideólogo, o general continua a entrevista discorrendo sobre os pensadores da sua juventude e confessa que andou «muito encostado» aos teóricos do «integralismo lusitano». Tudo boas companhias, portanto. Daí que Azeredo afirme, sem complexos, que ainda gosta da trilogia «Deus, Pátria, Família». Da Autoridade não diz nada, nem é preciso. Há coisas que um general casernícola não discute. E muito menos perante o povo que não o vai eleger.
TSF | 29.Out.1997