Desde o último sábado, os portugueses têm mais um motivo de orgulho nacional. Ao assinar o acordo de Bruxelas sobre a moeda única, Portugal juntou-se assim, de forma mais ou menos definitiva, ao grupo dos países da linha da frente do projecto monetário europeu.
Se outros méritos não tiver, o Euro serviu já para gerar um raro consenso entre os portugueses: a festa europeia que já durava há uma dúzia de anos acabou – e agora é que vão ser elas.
Ao permitir a nossa entrada no chamado «clube dos ricos», a Europa não foi decerto inocente. Eles devem saber que, sem fundos estruturais e de coesão, Pedips, Piddacs e outras generosas fontes de receita, não teremos dinheiro nem para mandar cantar o Trio Odemira – e assim teremos mais possibilidades de continuar dóceis e bem mandados.
Os economistas e demais entusiastas da moeda única acham, no entanto, que quando substituirmos as moedas de cem mil réis pelas de cinquenta eurocêntimos e as notas de conto por cédulas de cinco euros, toda a nossa vida ficará facilitada, dentro e fora da Europa.
É a verdadeira quimera do Euro, concretizada na perspectiva de se poder viajar de Lisboa a Helsínquia sem necessidade de trocar dinheiro. Os eurofãs apenas não explicam como é que vai ser o nosso convivío com os outros europeus, que têm duas, três ou quatro vezes o poder de compra dos portugueses.
Do lado oposto, os comunistas e restantes inimigos de classe do Euro-sistema, alegam que, com a substituição do Escudo pelo Euro, Portugal fica privado de um importante símbolo de soberania.
Por isso protestam, argumentando que "a moeda única é uma peça da construção neoliberal da Europa, apoiada pelo capital transnacional" que visa servir "os interesses do capital financeiro e das grandes potências europeias". Como se não fosse por isso e sobretudo para isso que se criaram todas as moedas, novas e velhas, seja na Europa, no Ruanda ou em Hong Kong. E como se, por usarmos Escudos no lugar de Euros, os alemães, os franceses e os americanos passassem a tratar-nos com maior respeito.
Para mim, que tenho uma desconfiança congénita para com as instituições financeiras, tanto se me dá receber em notas do Banco de Portugal como em moedas do Banco Central Europeu. O dinheiro não tem pátria, não tem cor, nem acredita na vida eterna.
Além disso, como se sabe, o dinheiro não dá felicidade – e não creio que vinte Escudos, todos juntos, sejam maior alegria para um pobre do que um único Euro.
Assim, parece-me muito bem que Portugal possa finalmente alinhar ao lado dos endinheirados da Europa. Continuaremos pobres, é verdade, mas pelo menos faremos boa figura e não seremos decerto mal-agradecidos.
Até porque, se apesar dos largos milhares de Euros desbaratados nos últimos anos em Portugal, a Europa continua a querer estar connosco, alguma coisa de bom deveremos ter. Só nos falta é descobrir o quê.
TSF - Crónicas de Escárnio e Maldizer - 6.Maio.1998