Ao contrário do que por vezes nos dizem, o sítio onde nascemos não é necessariamente o mais importante dos nossos lugares. Nós somos, antes de tudo, de onde nos sentimos bem. E foi assim também com José Afonso, cidadão de toda-a-parte e patriota do mundo. Nascido à beira-Vouga, criado entre o Mondego e o Púnguè, moldado pelas trovoadas africanas e pelo sol da Fuzeta, foi a Sul que Zeca encontrou o seu Norte.
(Em parêntesis, deixem-me que vos dê conta da minha convicção de que nenhum outro cantor, antes ou depois dele, foi capaz de descrever com tanto e tão apaixonado rigor a saga do Alentejo do século XX. Cantar Alentejano e Grândola, Vila Morena não são apenas duas belas canções, elas são todo um manual de história – da Região e do País – porventura só comparável, nas artes lusas, ao pulsante Levantado do Chão de Saramago, às narrativas magnificentes de Manuel da Fonseca, e – já agora e se me dão licença – às preciosas crónicas de Miguel Serrano.)
Voltemos a Zeca. A lição maior da sua vida, sabe bem quem o conheceu, não foi sequer a música ou a poesia. Essas são apenas o lado mais imediatamente belo, e com certeza o mais eterno, do legado enorme que nos deixou. Para os que tiveram o privilégio de compartir com ele alguns momentos, o modo de ser e de estar de José Afonso foi o melhor dos ensinamentos.
Com ele aprendemos a amar os lugares onde fomos momentaneamente felizes, mas também as pessoas que lhes pertencem. Porque os lugares são as pessoas, e não é possível querer bem àqueles desprezando estas. O Zeca era feito desta argamassa, eterno militante do desassossego, ciente de que a realidade é, como ele dizia, «aquilo que existe, o que nós supomos que existe e o que nós inventamos».
No coração de um homem cabem todos os sonhos do mundo. No coração inquieto de Zeca habita(va)m os afectos partilhados onde quer que alguém lute por uma vida melhor. Não é um lugar unânime, mas é aí que acredito que vale a pena estar. O Zeca, esse, nunca saiu de lá.
Diário do Alentejo | 2.Mar.2012