Mágoa de cheiro

Mágoa de cheiro

Quem passe pelas ruas de Lisboa neste Verão atípico não pode deixar de reparar como a cidade tem vindo a transformar-se num sítio cada vez mais malcheiroso. Nas ruas e nos bairros pobres, como sempre, mas também nos espaços tradicionalmente mais bem frequentados, nos lugares de alegada diversão nocturna, nas arcadas do Terreiro do Paço. Nem os jardins, os belos jardins de Lisboa que já foram lugares de encanto e de encontro, escapam aos maus odores.

E não falo apenas do mau cheiro das lixeiras cada vez mais frequentes nos becos e nas ruas de má fama, nem dos esgotos maltratados que estrumam o casco velho da cidade, nem da poluição que paira no ar, nem da trampa canina que enxameia os passeios, nem da fragrância sovaqueira dos transportes públicos.

O mau cheiro que se apossou de Lisboa vem sobretudo de cima, dos corredores do poder, da desvergonha que tomou conta de tudo perante a dissimulada indiferença de quase todos. É um pivete que se cola aos corpos e às almas de modo tão corriqueiro que já poucos parecem dar-se conta.

Ele é o buraco sem fundo do BPN que já vai em seis mil milhões e continua a não ter um único culpado, ele são as declarações desavergonhadas dos antónios borges e dos jardins gonçalves, ele é a impunidade militante dos dias loureiros, dos isaltinos e dos duartes limas. Mais as secretas que espiam em público para a salvaguarda de interesses privados, mais o ministro sinistro que promete acabar com a dívida aumentando a dúvida, mais tudo o que ainda não sabemos nem sabemos se saberemos.

Para aplacar as consciências e evitar consequências, dizem-nos que a culpa é da crise. Que gastámos mais do que podíamos e, assim, perdemos a confiança dos mercados. Os mercados que assumem, na sociedade de hoje, o papel dos deuses de outros tempos e cuja ira só será aplacada com o sacrifício dos jovens e dos velhos e de todos – menos daqueles que conduziram o país à podridão em que se encontra.

A isto chamam eles «sentido de responsabilidade». De um lado um governo que não governa, do outro uma oposição que não tem nada a opor. No meio, como sempre, o povo. Manso, ordeiro, sereno. Adormecido entre o futebol e o fado, embalado por promessas de um futuro que nunca mais chega, anestesiado pelas mesmas conversas engravatadas com que nos enleiam e nos enlameiam.

Lisboa fede. Como o País.

Diário do Alentejo | 13.Julho.2012